A Comissão Pastoral da Terra documentou 31 assassinatos resultantes de conflitos no campo em 2023, sendo os indígenas as principais vítimas
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2023, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na segunda-feira (22/04), apresentou o maior número de conflitos no campo na história da publicação, iniciada em 1985, com um total de 2.203 conflitos este ano. Em todos os eixos de conflitos categorizados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc/CPT) – Terra, Água e Trabalho – destaca-se a dimensão da Violência contra a Pessoa, direcionada individualmente aos cidadãos e não às famílias na totalidade nos territórios. Em 2023, a CPT registrou 554 casos dessa forma de violência, afetando 1.467 pessoas.
Os dados da CPT expressam como conflitos no campo deixam um rastro de sangue, morte, destruição e violência nas vidas de pessoas que lutam em defesa de seus territórios, de seus direitos e de seus modos de vida e da natureza. O ano de 2023 se iniciou com a esperança coletiva de uma diminuição das violências contra os povos e comunidades do campo, com o fim dos anos perversos e criminosos do governo de extrema-direita de Bolsonaro.
No entanto, este é o terceiro maior número de ocorrências e de pessoas vítimas das violências na última década, acompanhando um crescimento percebido desde o ano de 2018. Em relação ao ano anterior, houve uma queda de 1,2% nos números de ocorrências, mas um aumento significativo de 36,4% no número de vítimas, comparado às 561 ocorrências, com 1.075 pessoas, em 2022.
Os tipos de Violência contra a Pessoa mais recorrentes
No recorte da Violência contra Pessoa, o tipo de violência em que mais houve vítimas foi a Contaminação por Agrotóxico (21 ocorrências), com 336 pessoas vitimadas, um aumento de 74% em relação ao ano anterior. O segundo tipo de Violência contra a Pessoa que mais fez vítimas em 2023 foi a Ameaça de Morte, com 218 pessoas, um aumento de 4,3% em relação às 209 registradas em 2022. Nos últimos dez anos, este é o segundo maior registro de ameaças de morte feito pela CPT.
Os casos de Intimidação somam 194 pessoas vitimadas e um aumento de 41,6% nos registros. Em seguida em números de vítimas, os casos de Criminalização (160 e 66,7% de aumento), de Detenção (135 e 744% de aumento), de Agressão (115 e 167,4% de aumento), de Prisão (90 e 18,4% de aumento) e de Cárcere Privado (72 e 1.340% de aumento).
Indígenas são as principais vítimas, Fazendeiros são os principais causadores
Mantendo uma situação que ocorre desde 2019, os Indígenas foram as principais vítimas das violências contra as pessoas, representando 25,5% do total de pessoas vitimadas em 2023. Em seguida, os Pequenos Proprietários, com 20,3%, com grande aumento (81,7% em relação a 2022) em decorrência da contaminação por agrotóxico em Belterra, no Pará. Seguem os Sem Terra (20,1%), os Posseiros (13.5%), os Quilombolas (3,9%), e os Seringueiros, que registraram um percentual de 3,75%,, mas um expressivo aumento de 5.400% nos números de ocorrências de violência contra a pessoa, passando de 1 pessoa vitimada em 2022, para 55 em 2023.
O principal causador de Violência contra a Pessoa foi o Fazendeiro, com 51,2% dos registros de ocorrência. O Empresário vem em seguida, com 13% das vítimas de violência sob sua responsabilidade. Em terceiro, está o grileiro, com 9,3%, seguido do garimpeiro, com 7,3%, e do Governo Estadual, com 5,4%. Assim como na Violência contra Ocupação e a Posse, a atuação dos governos estaduais como agente causador das violências contra a pessoa apresentou um enorme aumento em relação ao ano anterior, 471,4%. Isso demonstra como as ações de violência privadas, fortalecidas pelas ações estatais, atuam para inibir as ações de resistência daqueles e daquelas que lutam por suas vidas e seus territórios.
A expressão mais grave de violência contra os povos do campo, os assassinatos decorrentes de conflitos somaram 31 vítimas em 2023. O número foi 34% menor do que o ano anterior, quando se registrou 47 assassinatos, numa escalada dessa violência fatal observada nos dois últimos anos do governo Bolsonaro, momento em que a extrema-direita no país e seus agentes, temendo a derrota nas eleições, se utilizaram de todos os artifícios arbitrários e brutais para impor, à força, seus interesses.
Das pessoas assassinadas, 14 eram indígenas, 9 eram Sem Terra, 4 eram posseiros, 3 eram Quilombolas e 1 era Funcionário Público. A violência contra os indígenas passou a crescer exponencialmente a partir de 2016 e, a partir de 2019, os povos originários se tornaram a maior vítima desse tipo de violência. Considerando também o número de pessoas ameaçadas de morte (218) e das tentativas de assassinato (66), esses dados revelam a gravidade da situação enfrentada pelos povos indígenas e outros grupos vulneráveis que lutam pela garantia de seus direitos e pela preservação ambiental.
Número de vítimas mulheres cresce 25% em 2023
Das 1.467 pessoas que sofreram esse recorte das violências em 2023, foram identificadas 180 mulheres vítimas, um número 25% maior do que o registrado em 2022. Nos últimos dez anos, foi o terceiro ano em que mais houve registro de violências contra as mulheres. Seguindo o padrão observado nos demais recortes de violências, as Indígenas foram as maiores vítimas, com 41,1% dos casos registrados, seguidas pelas Sem Terra (13,3%), Posseiras (13,3%). Assentadas (9,4%) e Quilombolas (8,3%). No recorte regional, a região Norte registrou a maioria das violências contra as mulheres, com 105 vítimas, seguida da região Centro-Oeste, com 39, região Nordeste, com 28, região Sudeste, com 5, e região Sul, com 3 vítimas.
O número de mulheres assassinadas registrou um aumento de 16,7% em relação ao ano anterior, com 7 mulheres vítimas fatais em 2023. Dessas, 4 eram indígenas, 1 posseira, 1 sem terra e 1 quilombola. Esta última foi Mãe Bernadete Pacífico, liderança e ialorixá executada a tiros no Quilombo de Pitanga dos Palmares–BA, em 17 de agosto de 2023.
As mulheres foram vítimas de diversas outras violências no contexto dos conflitos no campo, dentre elas, estão a ameaça de morte (45 vítimas), a intimidação (36), o estupro (30) e a tentativa de assassinato (13). O que mais salta aos olhos dentre essas violências, é o aumento de 2.900% dos registros de estupro, já quem em 2022 houve um caso. Todas as 30 mulheres eram yanomami, vítimas de garimpeiros que ainda permanecem em suas terras.
Por Comunicação CPT