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Campanha Mar de Luta - Ato das pescadoras e pescadores artesanais em (11/08) no estado do PI

 

Campanha Mar de Luta denuncia a falta de resposta dos poderes públicos em relação ao derramamento de petróleo que afetou o litoral brasileiro há quatro anos, deixando famílias sem reparação social, econômica e psicológica

 

Por Henrique Cavalheiro | Assessoria de comunicação da Campanha Mar de Luta

Em agosto de 2023, completam-se quatro anos desde a maior tragédia socioambiental do Brasil: o crime do derramamento de petróleo no litoral brasileiro. O desastre atingiu nove estados do Nordeste e mais dois do Sudeste, afetando aproximadamente 500.000 pescadores e pescadoras artesanais, responsáveis por mais de 60% da produção do pescado consumido por um milhão de famílias na região. Embora cinco mil toneladas de petróleo tenham sido retiradas das praias, corais, rios e mangues entre outubro e dezembro de 2019, uma parte inestimável permaneceu submersa ou presente na forma de micropartículas no ambiente litorâneo.

As famílias afetadas pelo derramamento de petróleo ainda aguardam por reparação social, econômica e psicológica. Movimentos Sociais de Pescadores e Pescadoras Artesanais e Organizações ligadas aos Direitos Humanos e ao Meio Ambiente têm cobrado dos poderes públicos, federal, estaduais e municipais, ações concretas para enfrentar os efeitos nefastos desse crime ambiental e social. O impacto do vazamento afetou diretamente o modo de vida dos Povos das Águas, privando-os dos meios necessários para a subsistência e trazendo prejuízos à saúde das comunidades devido à exposição ao petróleo, o que se agravou com a pandemia do novo coronavírus.

Acervo CPP| Pescadores artesanais

“Nossa comunidade passou muita fome”

A marisqueira Geonisia Vieira Dias, conhecida por Nice, do Povoado Muculanduba, no município de Estância, em Sergipe, destaca que as consequências do crime do petróleo foram especialmente difíceis para as famílias impactadas, pois enfrentaram uma grave crise de fome. As espécies dos manguezais, que eram essenciais para o sustento das comunidades, foram afetadas pelo derramamento e não puderam mais ser consumidas. Além disso, a confiança da freguesia foi perdida, resultando na dificuldade de vender os produtos, como mariscos, moluscos e peixes, o que agravou ainda mais a situação.

“O petróleo afetou muito o mangue, os berçários onde os animais dos mangues se reproduziam, onde os crustáceos, camarão e peixes se reproduzem e fazem parte da sobrevivência das comunidades. A gente tinha sempre o que comer, então durante esse tempo nossa comunidade passou muita fome, muita necessidade. Ninguém queria comer peixe, nem marisco.  Isso foi muito difícil para nós, foi muito sofrimento”, destaca Nice.

Outra questão delicada foi o êxodo dos jovens das comunidades pesqueiras, que se viram obrigados a buscar emprego fora de seu território, cultura e longe de suas raízes tradicionais. “As pessoas mais jovens estão morando fora, deixaram suas casas. Os moradores deixaram os seus dez, quinze, vinte anos na colônia e estão trabalhando fora para sustentar suas famílias, pois da pesca não teve como se sustentar mais, infelizmente, o mangue não se recuperou”, lamenta a marisqueira.

 

“Infelizmente, o governo não olha para nós”.

A inércia dos órgãos públicos no atendimento às necessidades das famílias afetadas é denunciada. O recurso disponibilizado pela MP 908, que previa o pagamento do auxílio emergencial pecuniário no valor de dois salários mínimos, mostrou-se insuficiente para mitigar os impactos econômicos impostos aos pescadores e pescadoras, deixando muitos excluídos, especialmente as mulheres pescadoras.

Além disso, a falta de um planejamento coordenado por parte do Poder Executivo Federal para combater outros vazamentos de petróleo e a omissão diante dos crimes ambientais revelam a política de destruição da natureza do governo Bolsonaro, mas também de outros governos que enxergam em novas perfurações de poços de petróleo oportunidade de desenvolvimento, mesmo que isto custe a destruição da biodiversidade e de comunidades tradicionais.

“Nós aqui recebemos dois salários mínimos depois do derramamento de petróleo, teve comunidade que não recebeu. Isso não ajudou, pois foi uma vez só. E o governo não olha pra nós, nem o Governo Federal, nem Governo Municipal, nem prefeitura, ninguém. Ninguém olha para as comunidades tradicionais daqui da nossa região”, denuncia Dias.

 

Sem responsabilidade e sem culpados

No âmbito do Congresso Nacional, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), de autoria de João Campos (PSB), para investigar o derramamento de petróleo em 2019. A CPI teve como objetivo apurar as responsabilidades pelo crime e analisar possíveis omissões e falhas nos órgãos governamentais responsáveis pela prevenção e resposta a esse tipo de incidente. Chegaram a ser realizadas 15 reuniões e audiências públicas na Câmara até que as atividades das comissões fossem suspensas, em março de 2020, por causa da pandemia da covid-19. Porém, a CPI teve um desfecho lamentável e foi encerrada por perda do prazo de renovação, estratégia da base do governo de então.

Nice destaca que os pescadores e marisqueiras foram e seguem sendo os que lutam incansavelmente para preservar o meio ambiente e para que outros crimes, como o de 2019, aconteçam novamente, mas lamenta que nunca receberam apoio das autoridades.

“Nós que somos pescadores e marisqueiras que lutamos, que brigamos para preservar o nosso rio. Nunca que a gente teve uma palavra de apoio de nenhum governador. A gente não tem ajuda, a não ser das nossas lutas e dos movimentos sociais que nos ajudam e estão sempre do nosso lado”, pondera Geonisia.

Acervo – Campanha Mar de Luta| Mobilização no estado de Pernambuco em 2020

 

Campanha Mar de Luta

A Campanha Mar de Luta, formada por diversos movimentos e organizações voltadas para os direitos dos pescadores/as artesanais, assim como instituições ligadas à temática dos direitos humanos, pastoral social, grupos de pesquisas de universidades ou comprometidas com questões ambientais, exige desde então respostas concretas para as famílias dos pescadores e pescadoras que há quatro anos enfrentam sozinhos o maior crime ambiental da história do Brasil.

Entre as reivindicações estão a responsabilização do Estado pela ausência de respostas concretas, a aplicação do Plano Nacional de Contingência para incidentes de poluição por óleo, investigações e estudos para apuração dos responsáveis pelo derramamento, pesquisas autônomas para divulgar os dados sobre a poluição e seus impactos, um processo amplo de avaliação e monitoramento das praias e a proibição da abertura de novos poços de petróleo em alto mar.

Enquanto as famílias dos pescadores e pescadoras aguardam por justiça, a Campanha Mar de Luta reforça a necessidade de mudanças na política ambiental brasileira e denuncia a falta de ação por parte do Governo Federal. A solidariedade e o apoio de organizações parceiras têm sido essenciais para dar voz às comunidades afetadas a lutarem por seus direitos. O caminho para a reparação social, econômica e psicológica das famílias atingidas pelo derramamento de petróleo ainda é longo, mas a luta continua em busca de justiça e preservação do meio ambiente.

 

Nunca parar, nunca desistir

Nice ressalta que algumas comunidades ainda continuam batalhando para receber apoio e tentar recuperar a confiança dos clientes após o crime do petróleo para normalizar a venda dos peixes e mariscos. No entanto, ela observa que muitas comunidades já desistiram da luta.

“É difícil enfrentar a perda de companheiros, vários pescadores da comunidade foram embora, pois não tinham como sustentar suas famílias. Vão abandonando suas casas, largam tudo e vão para fora trabalhar para os outros’, diz a marisqueira, que completa, “São poucas as comunidades que seguem lutando, porque outras já cansaram. Na minha comunidade, nós lutamos, nós estamos lá, nós enfrentamos. Então, infelizmente, esses 4 anos estão marcados para sempre na vida de todos os pescadores e marisqueiras daqui do estado de Sergipe”.

Conheça a Campanha Mar de Luta

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