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Comissão Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano
Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração
Dom Vicente Ferreira e o cacique Dadá Borari, da Terra Indígena Maró, no estado do Pará
Dom Vicente Ferreira e o cacique Dadá Borari, da Terra Indígena Maró, no estado do Pará

Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo diocesano de Livramento de Nossa Senhora (BA) e presidente da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEEM-CNBB), concedeu esta entrevista, por e-mail, ao cepastcnbb.org.br, sobre o nascimento da Comissão para Ecologia Integral e Mineração e sua missão na igreja e sociedade.

Confira a entrevista.

Por Dário Bossi

 

Dom Vicente de Paula Ferreira | Foto: Osnilda Lima
Dom Vicente de Paula Ferreira | Foto: Osnilda Lima

Por que a CNBB sentiu a necessidade de criar uma Comissão para Ecologia Integral e Mineração?

Dom Vicente Ferreira – Tudo começou com um Grupo de Trabalho. A partir da necessidade de traçar caminhos de resistência diante dos extrativismos predatórios, sobretudo da mineração. A partir dos crimes da Vale, em Mariana, que matou 19 pessoas e destruiu a Bacia do Rio Doce, e em Brumadinho, que matou 272 pessoas e devastou a Bacia do Paraopeba, ambos no Estado de Minas Gerais, a necessidade de ampliar a luta em defesa das feridas dos pobres e da natureza tornou-se ainda maior.

Logo, outras realidades gritantes apelaram e solicitaram a atenção dos bispos; aliás, em algumas delas havia um compromisso explícito das dioceses em defesa das comunidades atingidas por mineração, como no caso do corredor de Carajás, entre Pará e Maranhão, ou da ameaça do garimpo em Rondônia, entre outros.

Há quatro anos, o Grupo de Trabalho passou a ser Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração. Motivada pela voz profética do Papa Francisco, sobretudo na Encíclica Laudato Sì e no Sínodo para a Amazônia, a comissão foi fortalecendo seu trabalho de promoção da Ecologia Integral. Porque a humanidade passa por uma grave crise socioambiental, provocada pelo neocolonialismo que coloca o lucro acima da vida, é necessária a denúncia e, ao mesmo tempo, o anúncio em prol de uma nova relação do ser humano com a natureza. Sendo assim, buscamos uma Igreja comprometida com o Evangelho da Criação, consciente de que “como nunca na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início […]. Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar duma nova reverência face à vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida (LS, n. 207).”

 

Quais foram as atividades mais significativas realizadas até agora pela Comissão e quais os planos para o imediato futuro?
Dom Vicente Ferreira – Nossa CEEM é composta por um grupo de bispos e de assessores. Procuramos congregar pessoas que estão engajadas em territórios e temáticas relacionados aos direitos humanos e da terra. Reunimo-nos uma vez por semana para debater as pautas variadas e tomar encaminhamentos. Nos últimos anos nos comprometemos com projetos em defesa dos povos originários, dos quilombolas, dos atingidos pela mineração. Em diálogo com organismos eclesiais e sociais, auxiliamos na construção de leis como Junho Verde, nas orientações de despejo zero durante a pandemia etc. Também tivemos incidências nacionais, em romarias, congressos e junto a organismos internacionais. Nossa comissão esteve presente, por duas vezes, nas sessões ordinárias do Conselho de Direitos Humanos da ONU; participou também de uma Caravana na Europa, para denúncia e pedido de solidariedade frente aos impactos da mineração no continente latino-americano. Publicou um estudo sobre a “arquitetura da impunidade”, destacando a ambiguidade das relações entre estado e empresas na reparação dos danos provocados por estas. Orientou também o povo de Deus em vista das últimas eleições, para que o voto em todas as esferas políticas fosse orientado por valores como a destinação universal dos Bens Comuns e pela urgência de um compromisso coletivo frente à crise climática e ecológica.

Temos muitos trabalhos para o futuro. Ajudar a Igreja a ser presença profética nessa mudança de época, dialogando com nossas instâncias eclesiais e sociais é tarefa exigente. Criar uma nova consciência do cuidado de nossa casa comum passa pelo compromisso com a educação, com a reflexão teológica, com a mobilização de nossas frentes missionárias. Nossas agendas futuras estão comprometidas com: fortalecimento da CEEM, clareando seus objetivos; presença animadora junto às dioceses que demandam nossa presença; construção de pautas junto aos grupos e realidades socioambientais mais vulneráveis; conscientização de nossa Igreja e sociedade sobre as variadas pautas que envolvem a Ecologia Integral. Digo sempre que nossa comissão dialoga com todas as frentes de Evangelização porque lidamos com temáticas essenciais para a vida. Quando falamos de mãe terra, nos referimos à água que é fonte de vida, ao ar que respiramos, ao clima que propicia condições de sobrevivência, aos alimentos saudáveis. Tudo isso tem a ver com nossa responsabilidade cristã.

Como conseguirá a CEEM um empenho específico frente aos impactos da mineração e propostas mais amplas sobre toda a perspectiva da Ecologia Integral?
Dom Vicente Ferreira – A questão da mineração no Brasil, principalmente nesses mais de 500 anos de colonialismo, tem problemas complexos. Hoje, fala-se muito em combater o garimpo ilegal. Mas sabemos que nesse setor extrativista há uma linha tênue entre legal e ilegal. Depois de tantos anos do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, por exemplo, não tem ninguém condenado e preso. Pelo contrário, o discurso das mineradoras continua dominante, seduzindo nossos setores políticos e até judiciários. A CEEM se coloca ao lado dos que exigem justiça, visando também a soberania de nossas comunidades e seu direito de dizer não à mineração. Ser uma instância de apoio aos variados grupos que pedem nossa presença é uma forma de fortalecer a resistência dos atingidos. Outro caminho é a promoção de debates, o lançamento de material para formação, a presença em nível local, estadual, nacional e até mesmo internacional. Uma das principais tarefas nossas é manter uma narrativa contra-hegemônica. Se o capitalismo tem dominado o planeta com sua lógica destrutiva, nós também devemos organizar nosso povo para resistir em nome de uma vida plena e saudável que só é possível num planeta vivo. Não podemos negociar o Evangelho com esses setores perversos que matam pessoas, espécies, rios etc.

 

O senhor acha que a Igreja e a sociedade assumiram com suficiente responsabilidade o legado da encíclica Laudato Sì e o cuidado da Casa Comum?
Dom Vicente Ferreira – Creio que o caminho está aberto. Nenhuma travessia é fácil, ainda mais essa que implica em mudança de época. Muitos passos já foram dados e há organismos que nasceram a partir da Laudato Sì, com posturas concretas de cuidado da Casa Comum. No Brasil, temos comissões, grupos de trabalhos em diversas dioceses. Há também pastorais com temáticas variadas. Conheço grupos de resistência que propõem alternativas de sobrevivência que são sustentáveis. Posso nomear o Movimento Laudato Sì, a Economia de Francisco e Clara, a Rede Igrejas e Mineração e muitas outras organizações. Muitos ainda não se despertaram para a importância da temática. O pior é quando grupos reacionários insistem em posturas extremistas e fazem oposição ao Papa, às lideranças que lidam com temas ambientais. Infelizmente, também existem essas situações.

 

De que forma as igrejas locais, as comunidades e pastorais podem se empenhar na mesma linha da Comissão, em seus próprios territórios?
Dom Vicente Ferreira – Penso que a atuação deve acontecer no campo interno de nossas pastorais e na relação com toda a sociedade. Entre nós católicos, cada comunidade pode incluir na catequese, na liturgia e outros âmbitos da pastoral a temática da Ecologia Integral. Porque é uma realidade transversal, que dialoga com todas as áreas de nossa experiência de fé cristã. Na educação das crianças, dos adolescentes, dos jovens, dos adultos e famílias, cada pessoa ou grupo podem contribuir de alguma forma. Outro dia vi um grupo de catequistas levando as crianças para conhecer as nascentes de suas comunidades. Veja que atividade singela. No âmbito de nossas relações sociais temos que lembrar que a Igreja tem importante voz política. Por isso, é missão de todos nós dialogar com os poderes legislativos, executivos e judiciários. Denunciando violações socioambientais e anunciando alternativas como a defesa da agroecologia, dos saberes dos povos ancestrais, do direito a terra, teto e trabalho, da defesa de nossos rios e flores. Inclusive ajudando a sociedade a pensar nos direitos que não são somente do ser humano, mas também da natureza. O cuidado com nossa Casa Comum muito nos ajuda a unir fé e vida. Liturgia e transformação social. Sempre digo que uma espiritualidade ecológica começa pela consciência de que estamos imersos em graves pecados ecológicos. Os gritos da terra como o aquecimento global, a perda da biodiversidade, a contaminação das águas e do ar são frutos de estruturas pecaminosas. Vivemos numa sociedade que está fazendo do dinheiro o seu grande ídolo. Nossa missão cristã e ajudar, a partir do Evangelho da vida plena em Jesus, a transformar essa realidade. Somos todos irmãos e irmãs, criados para cuidar da Casa Comum. “Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas, e tudo nele subsiste” (Col 1,17).

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