Comunidades quilombolas na sede do INCRA no Maranhão na segunda-feira (21/10). Foto: Rony Codó
Comunidades quilombolas na sede do INCRA no Maranhão na segunda-feira (21/10). Foto: Rony Codó
Um novo capítulo na luta pelo território no Maranhão.
No Maranhão, a esperança da terra prometida renasce para os quilombolas! A luta pela titulação dos territórios continua e recebe o apoio da Igreja, colorindo o futuro com tons de resistência, esperança, justiça socioambiental e dignidade

 

Por Osnilda Lima | Cepast-CNBB*

 

 

O sol da manhã banhava São Luís, capital maranhense, com seus raios de esperança e luta. Um grupo de 150 mulheres e homens, rostos marcados pelo tempo e pela luta, mas com os olhos brilhando com a chama da esperança reacendida, adentrava a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Eram os representantes do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), que carregavam consigo a história de resistência de seus ancestrais, a força de suas comunidades e o sonho da terra prometida: a titulação dos territórios quilombolas no estado. Das mãos, ressoava o som falante dos tambores, anunciando a chegada daqueles que lutam por justiça e dignidade.
Na segunda-feira, 21 de outubro, quilombolas e camponeses acamparam na sede do INCRA – MA e realizaram uma manifestação para cobrar a conclusão dos processos de regularização fundiária que se arrastam há anos no órgão federal.
 
A terra: mãe e essência da vida quilombola
A luta pela terra não é apenas pela posse de um patrimônio. Para os quilombolas, o território é a própria essência da vida, um elo ancestral que nutre e sustenta a comunidade. “A gente não vê a terra como patrimônio, a gente vê a terra como mãe”, afirmou Gil, quilombola do Quilombo Nazaré, na baixada ocidental maranhense, expressando a profunda conexão entre seu povo e a terra que habitam no início da reunião.

 

Comunidades quilombolas na sede do INCRA no Maranhão na segunda-feira (21/10). Foto: Rony Codó
Comunidades quilombolas na sede do INCRA no Maranhão na segunda-feira (21/10). Foto: Rony Codó
Encontro crucial: quilombolas e governo frente a frente
A sala de reuniões do Incra em São Luís testemunhou, nos dias 21 e 24 de outubro, um encontro de grande importância. De um lado, quilombolas erguiam suas vozes em busca de justiça, reivindicando o direito à terra historicamente negado. Do outro, representantes do governo, incluindo o Superintendente do Incra, José Carlos Nunes Jr., e membros do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que tem a responsabilidade de garantir esse direito.
O Moquibom, presente no encontro, expressou a urgência em resolver a angustiante espera pela titulação dos territórios quilombolas. A atenção do superintendente do Incra, contudo, só foi conquistada através da ocupação da sede do órgão, demonstrando a falta de diálogo prévio. Com essa ação, os quilombolas forçaram uma conversa que antes parecia improvável, abrindo caminho para uma possível solução.

 

Em visita ao acampamento no INCRA, Dom José Valdeci, bispo de Brejo (MA) e presidente da Cepast-CNBB, dialoga com lideranças quilombolas.
Em visita ao acampamento no INCRA, Dom José Valdeci, bispo de Brejo (MA) e presidente da Cepast-CNBB, dialoga com lideranças quilombolas | Foto: Rony Codó
A Igreja e o compromisso com a justiça social
Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo diocesano de Brejo (MA) e presidente da Comissão para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), participou da reunião no dia 23, na qual reafirmou o compromisso da Igreja com a luta dos povos originários e comunidades tradicionais, em especial os quilombolas, pela dignidade e justiça territorial.
“Diante da morosidade e da ausência do Estado, a Comissão se compromete a apoiar essas comunidades na garantia de um território livre e justo”, declarou Dom José Valdeci. O bispo ressaltou a urgência na titulação das terras, para que as comunidades quilombolas possam viver com a dignidade que lhes é de direito. Reforçando o compromisso da Igreja com a justiça social, Dom José Valdeci enfatizou a luta por uma vida plena para todos, concluindo com as palavras de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
 
Acordos e compromissos assumidos: uma luz no horizonte?
Obstáculos? Sim, muitos! A falta de conciliadores agrários, a escassez de recursos destinados pelo Incra para a titulação de terras tradicionais e a morosidade nos processos formavam uma barreira que parecia intransponível. Mas os quilombolas não se deixaram abater. Com a força de 20 comunidades unidas, reivindicaram seus direitos e apresentaram uma lista de territórios que ainda aguardavam o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), documento essencial para dar início ao processo de titulação e, assim, concretizar o sonho da posse da terra.
E então, uma luz descortina no horizonte: o Incra anunciou a destinação de R$ 8 milhões para a realização do RTID nessas 20 comunidades. Para isso, será firmado um Termo de Execução Descentralizada (TED) com uma universidade especializada na elaboração de RTIDs. Essa parceria garante que as comunidades quilombolas terão o apoio técnico necessário para avançar no processo de titulação de suas terras.
Além do TED, o Incra assumiu outros compromissos importantes, como a elaboração de um cronograma para a conclusão do RTID em 17 comunidades quilombolas que já possuem o Relatório Antropológico (RA) concluído e a atuação a favor dos quilombolas nos processos judiciais que envolvam disputas por terras.

 

Em busca de regularização fundiária, comunidades quilombolas permanecem vigilantes | Foto: Rony Codó

A luta continua: vigilância e mobilização
O compromisso assumido é um sopro de alívio. A espera, que perdura anos, finalmente parece ter um fim à vista. A titulação da terra, antes um sonho distante, agora se torna uma possibilidade real. Mas a luta não termina aqui. O Moquibom segue vigilante, acompanhando cada passo do processo, cobrando o cumprimento dos compromissos assumidos e lutando por cada centímetro de terra que lhes pertence por direito.
A esperança se renova após os enfrentamentos e acordos firmados no Incra. Raimunda Nonata, quilombola do Cocalinho e membro do Moquibom, expressa a confiança na conquista da titulação: “Diante dos enfrentamentos que a gente fez aqui no Incra, a gente está saindo confiante diante dos acordos que foram feitos com o Ministério do MDA e da Ouvidoria Agrária. O Moquibom vai fazer o acompanhamento desses processos, desses andamentos de cada um desses processos de cada comunidade.”
A mobilização constante e a cobrança por parte do movimento quilombola são essenciais para garantir o cumprimento dos acordos. Tony Pavão, da coordenação do Moquibom, destaca a importância da participação ativa na fiscalização dos processos: “Nossa confiança se dá nos acordos firmados e na devolutiva que o Incra nos deu, mas, acima de tudo, nós, enquanto Movimento Quilombola, precisamos vir constantemente, sentar com o superintendente, com o pessoal do Departamento Quilombola, para saber quais foram os avanços diante da pauta que o Moquibom trouxe para o Incra”. Para isso, o movimento se comprometeu a criar uma comissão visando acompanhar de perto as alterações e os avanços nos processos de titulação.
 
A luta pela terra: luta pela vida, dignidade e futuro
A luta pela terra é a luta pela vida, pela dignidade, pela preservação da história e da cultura de um povo que se recusa a ser silenciado. É a luta por um futuro em que as comunidades quilombolas do Maranhão possam viver em paz, com a garantia de seus direitos e a certeza de que suas terras, finalmente suas, serão o berço de novas gerações de guerreiros e guerreiras.
* Este texto foi construído com a contribuição de Claudia Pereira, Cepast-CNBB e de lideranças do Moquibom e da Comissão Past

 

Acampamento de comunidades quilombolas na sede do INCRA - MA | Foto: Rony Codó
Acampamento de comunidades quilombolas na sede do INCRA – MA | Foto: Ariana Frós – CNBB Regional Nordeste 5

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