Não posso deixar de dedicar estas palavras à pessoa única e inesquecível de Papa Francisco, que tive o privilégio de encontrar em duas ocasiões marcantes.
A primeira aconteceu em fevereiro de 2017, quando concelebrei com ele a Eucaristia na Casa Santa Marta, seguida de um encontro pessoal. Era poucos dias após a grande chacina nas prisões de Manaus, Boa Vista e Natal. Fiquei profundamente surpreso com o conhecimento que ele demonstrava sobre a realidade carcerária e os fatos ocorridos. Sua proximidade com o sofrimento humano, sua humanidade e simplicidade iam além das palavras: ultrapassavam formalidades e protocolos, fazendo-nos sentir plenamente à vontade em sua presença. Naquela oportunidade, confiou-me a missão de levar, ao longo de todo o ano, seu abraço e bênção às pessoas encarceradas no Brasil.
O segundo encontro se deu em 2019, durante a audiência concedida aos participantes do Encontro da Pastoral Carcerária de todo o mundo, promovido pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Nesta ocasião, entreguei-lhe uma carta escrita por uma mulher privada de liberdade e presenteei-o com nossa cartilha Maria e as Marias no Cárcere. Também naquele ano, outra chacina havia ocorrido em Manaus, resultando em 55 mortes — muitas delas consequência do descaso e da burocracia do Sistema Judiciário, que alimenta o encarceramento em massa e, com ele, a tragédia.
Mesmo cordial, Francisco sempre foi pungente ao se encontrar com magistrados e juízes, chamando-os à responsabilidade por uma justiça que não pode ser parcial, mas integral — uma justiça capaz de dar asas à esperança.
Hoje, vivendo este momento de dor e luto, resta a consoladora lembrança de um homem profundamente humano, verdadeiro pastor, fino pensador, cujas palavras continuarão a ecoar por muito tempo. Ele iluminou e retomou o caminho profético de uma Igreja Conciliar, Sinodal, pobre para os pobres, enlameada e hospital de campanha: a Igreja Povo de Deus, capaz de se abrir às necessidades do seu tempo, de escutar e partilhar as dores e os gritos de uma humanidade ferida, mas também capaz de testemunhar o fogo da esperança que nela arde — esperança que é o próprio Jesus, a quem Francisco contemplou e assumiu como sujeito central de seu ministério Petrino, voltado para as periferias humanas e existenciais.
E tudo isso ele o fez a partir de seu lema episcopal: “Olhou por ele com misericórdia e o escolheu.”
Papa Francisco Vive!