O então cardeal Jorge Mario Bergoglio com o o Pe. Pepe di Paola. Imagem: reprodução de arquivo.

Por padre Leonardo Lucian Dall’Osto

Francisco foi imenso, não restam dúvidas! Quem poderia imaginar que esse argentino de 76 anos iria mudar a visão que o mundo e a igreja possuem do papado. No entanto, foi o que aconteceu. Jorge Mario Bergoglio assumiu depois que Bento XVI renunciara, no começo de 2013. A época de Bento XVI o todo poderoso cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone dominava o cenário eclesial. Enquanto Bento dava catequese, Bertone comandava as políticas internas da Igreja. Quem costumava ler o “L’osservatore Romano” (periódico da Santa Sé), lia os textos do Papa Bento e as intervenções de Bertone. Particularmente creio que em 2013, Bento já não governava há muito tempo.
Francisco chegou e a realidade mudou. Bertone saiu de cena, e no seu lugar assumiu o cardeal Pietro Parolin, discreto e fidelíssimo ao novo pontífice. Porém, ainda antes, bem no comecinho, quando Jorge foi apresentado ao mundo como “Francisco”, as coisas já começaram a dar sinais de mudança. Saudou o povo com um simples “buona sera” (boa noite) e se apresentou como Bispo de Roma, bispo da igreja que preside as igrejas na caridade, retomando a antiga expressão de Santo Inácio de Antioquia. Francisco não presidirá pelo poder, mas pela caridade, esse foi seu pontificado. Nesse sentido muito se tem repetido, e é verdade, que a escolha do nome “Francisco” não foi aleatória, mas sim um projeto. Um jesuíta que escolhe ser chamado como o santo de Assis deixa evidente uma visão de igreja.
Todo o pontificado de Francisco foi um desmonte das estruturas constantinianas de poder. Saiu do Palácio Apostólico, residência oficial dos papas e foi morar na hospedaria Santa Marta. Mais tarde, sempre com humor e fina ironia, disse que o fez por questões “psiquiátricas”, pois não se imaginava morando sozinho. Os famosos sapatos vermelhos foram por ele aposentados. Continuou usando seus sapatos pretos de sempre. É só uma preferência? Não sejamos tolos! É simbólico, como quase tudo em seu pontificado. Francisco é Jorge, ou seja, continuou sendo o arcebispo de Buenos Aires que caminhava entre as favelas e pegava transporte público. São os mesmos “sapatos” de sempre.
O que antes era poder agora é serviço. Em termos evangélicos na Igreja não existe lugar para o poder, mas apenas para o serviço. Por isso, vazio de poder (potestas), Francisco foi reconhecido em sua autoridade (auctoritas). São duas coisas completamente diferentes. Enquanto que postestas está ligado ao domínio, a faculdade de dispor de algo ou de alguém, auctoritas está ligada na sua origem ao verbo augeo, fazer crescer, aumentar. Francisco exerceu autoridade (auctoritas), fez crescer, deu espaço, promoveu. A pergunta é: a quem? Quem ele promoveu, quem ele fez crescer? A resposta, sabemos, está nos lábios de Jesus: “os meus irmãos mais pequeninos” (Mt 25,40b).
Sim, os últimos foram os primeiros para Francisco. Sua primeira viagem apostólica foi exatamente para a ilha de Lampeduza, Sicília, lugar conhecido como “porta da Europa”, pois ali milhares de imigrantes ainda tentam atingir o continente europeu em busca de uma vida mais diga. Ali condenou a globalização da indiferença, que mata e finge que o sofrimento alheio não existe. Esse foi apenas um primeiro gesto de um pontificado repletos de gestos. Em 2015, durante o Jubileu extraordinário da Misericórida, Francisco abriu a primeira porta santa não em Roma, mas em Bangui, no continente africano. Aliás, Francisco foi sempre para as periferias do mundo, pois dizia frequentemente que a Igreja compreende melhor a si mesmo a partir das periferias.
Em Roma e no mundo um olhar particular para os pobres, eles estão no centro do Evangelho, já anunciara na sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium. A opção preferencial pelos pobres, formulada e vivida de modo intenso a partir das conferências de Medellín e Puebla, serão o fio condutor de todo o seu pontificado. Francisco preferiu, de fato, aqueles que ninguém mais quis: pobres, migrantes, crianças em territórios de guerra, a comunidade LGBT, idosos e descartados pelo sistema financeiro, vítimas de abusos sexuais e de poder por parte de clérigos, descrentes e crentes não totalmente vinculados à Igreja, esses foram os preferidos dele. Sua última saída do Vaticano, na quinta-feira santa foi para ir visitar os encarcerados, como fez tantas vezes anteriormente. Ali deixou tudo o que tinha na sua conta pessoal, sua herança foi para os presos de Roma.
Esse é o motivo pelo qual ele foi imenso. Francisco não coube na Igreja, ele pertenceu ao mundo, aos cristãos católicos e não católicos, aos religiosos de outros credos e também aos ateus. Mostrou que ser Papa é antes de tudo ser profundamente humano, pois só é discípulo de Jesus quem entendeu isso. Foi porta-voz de milhões, de modo particular, daqueles que não têm voz. Até morrendo pensou em quem não é ouvido, pois seu papa móvel foi transformado em ambulância para as crianças que são bombardeadas na Faixa de Gaza.
Alguns, porém, criticaram e criticam: “e a doutrina, a clareza dos ensinamentos morais? Como fica a estabilidade do modo de pensar da Igreja?”. Aqui penso, particularmente, que devermos dar um “desconto” para Francisco. Ele não se preocupou tanto com isso tudo, pois estava mais preocupado com a realidade concreta das pessoas. Talvez por ter sido discípulo de um Galileu que tão pouco estava preocupado com a rigidez das doutrinas.