O que significa “ide pelo mundo e anunciai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16,15)? Não é o evangelho uma exclusividade humana?

 

No Antigo Testamento, quando Noé sai da arca com todos seus familiares e animais, Javé lhe diz: “Vou fazer uma aliança convosco e com vossa posteridade, assim como com todos os seres vivos que estão convosco: as aves, os animais domésticos, todos os animais selvagens que estão convosco, desde todos aqueles que saíram da arca até todo animal da terra. Faço esta aliança convosco: nenhuma criatura será destruída pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para devastar a terra”. Deus disse: “Eis o sinal da aliança que eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra” (Gênesis 9, 9-13).

 

Portanto, antes de fazer uma aliança com Abraão, com um povo, Deus tem uma aliança com toda sua criação, para sempre. Nesse sentido, podemos começar a entender o que significa “evangelizar todas as criaturas”. Alguns teólogos chamam essa aliança de universal, outras a chamam de aliança cósmica.

 

Entretanto, como “evangelizar todas as criaturas”? As que ouvem, não entendem, exceto o ser humano. Dizem que os animais são “sencientes”, tem a capacidade de sentir ou perceber pelos sentimentos. E temos aqueles seres que sequer ouvem, como os vegetais ou a água, essa molécula que não parece viva, mas que não existe vida onde ela não está.  Portanto, como é possível evangelizar as criaturas para além do ser humano?

 

Só há uma saída. A evangelização das criaturas só é possível pela atitude do “cuidado”. É cuidando de todas as criaturas, no espírito do “cultivar e guardar” (Gênesis 2,15), que se torna possível evangelizar todas as criaturas. A natureza cuidada sente e agradece ao ser humano, lhe oferecendo um ambiente abundante de vida. Afinal, Deus tem uma aliança eterna com ela (Gênesis 9,16), a redenção de Jesus se estende a todas as criaturas (Romanos 8,15-21), e a plenitude dos tempos, clara no Apocalipse, inclui a humanidade e todas as criaturas (Apocalipse 22).

 

São Francisco entendeu perfeitamente essa dimensão da evangelização. Dizem que Santo Antônio, no espírito de Francisco, também anunciava o evangelho aos passarinhos. Papa Franciscus também entendeu essa dimensão do evangelho e a codificou na Laudato Si’. Espero, sinceramente, que Leão XIV a entenda em toda sua extensão e profundidade, para o bem da humanidade e de toda a criação.

 

Franciscus sempre nos alertou que os desafios contemporâneos são sempre socioambientais, portanto, ser humano está sempre incluído, mas não é o único. E Jesus nos pediu que estivéssemos abertos aos “sinais dos tempos”, e a crise climática é literalmente um sinal dos tempos.

 

Esse é o primeiro passo para sairmos do antropocentrismo que domina a humanidade, com a consequente devastação da natureza, que também predomina na Igreja Católica, mesmo após Franciscus.

*Texto publicado originalmente no blog Roberto Malvezzi

Tags:

Autores

Augusto Martins

Cláudia Pereira

Dom Itacir Brassiani

Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira

Dom Jose Ionilton

Dom Reginaldo Andrietta

Dom Vicente Ferreira

Dom Wilson Angotti

Élio Gasda sj

Gianfranco Graziola

Gilberto Lima

Graziella Rocha

Henrique Cavalheiro

Igor Thiago

Irmã Eurides Alves de Oliveira

Irmã Mercedes Lopes

Jardel Lopes

Jardel Lopes

Marcelo Barros

Marcelo Lemos

Marcia Oliveira

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Maria Clara Bingemer

Mauro Luiz do Nascimento Júnior

Osnilda Lima

Padre Dário Bossi

Padre Francisco Aquino Júnior

Padre Leonardo Lucian Dall'Osto

Pe. Alfredo J. Gonçalves

Pe. Alfredo J. Gonçalves

Petronella M Boonen - Nelly

Petronella M Boonen - Nelly

Roberto Malvezzi (Gogó)

Rosilene Wansetto

Dom José Valdeci

Valdeci Mendes

Vera Dalzotto