Pastorais sociais e organismos da igreja analisam a omissão do Executivo e ações do Congresso que legislam em causa própria e ameaçam as pautas de direitos humanos e socioambientais.
Por Cláudia Pereira| Cepast-CNBB
O Coletivo de Incidência Política Compartilhada, que reúne organismos, movimentos e pastorais sociais que atuam junto à Comissão para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB), realizou um encontro nesta segunda-feira (16) para fazer uma dura análise do cenário político nacional. Na avaliação do grupo, o governo federal tem demonstrado “inércia” e “omissão”, enquanto o Congresso Nacional avança com pautas que ameaçam o meio ambiente e os direitos humanos.
O seminário, realizado em formato híbrido na sede da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), em Brasília, teve como foco principal o avanço de projetos de lei considerados prejudiciais, como o PL 2.159/2021, denominado de “PL da Devastação”, aprovado no Senado em maio e fortemente criticado também em nota oficial da CNBB. Na última semana (13), mais de 145 organizações da pesca artesanal, entidades de apoio e movimentos sociais, assinaram nota pública de posicionamento contra o PL da Devastação. Para os participantes, pautas importantes como a socioambiental, a segurança pública e a moradia estão sendo negligenciadas, o que se reflete também na queda da popularidade do governo, como aponta a recente pesquisa Genial/Quaest, que mostrou uma desaprovação de 53% entre os católicos.
“A atual gestão do poder executivo federal inspira uma profunda decepção. A realidade aponta para um vácuo de governança, um verdadeiro desgoverno”
Dinâmica de poder e omissão
Segundo a análise do coletivo, o Congresso Nacional demonstra ter ciência de seu poder e legisla em função de interesses específicos. Em contrapartida, o governo federal é visto como “tímido” e relutante em defender os direitos fundamentais. “Temos um Legislativo ciente de seu poder, que não hesita em criar barreiras autoritárias. Paralelamente, o governo se mostra completamente omisso na arena legislativa”, afirmou Luiz Ventura, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ele acrescentou que o Poder Judiciário, visto como um último recurso, não se posiciona como um “guardião das pautas de direitos humanos e ambientais”.
A assessora da Comissão para a Ação Sociotransformadora da Cepast-CNBB, Alessandra Miranda, expressou um sentimento de frustração. “A atual gestão do poder executivo federal inspira uma profunda decepção. A realidade aponta para um vácuo de governança, um verdadeiro desgoverno”, declarou.
Avanço da “Boiada”, resistência isolada e projeto de deslegitimação
O coletivo fez duras críticas à facilitação de licenciamentos ambientais para grandes projetos de infraestrutura, como a Ferrogrão, a hidrovia Tocantins-Araguaia e a pavimentação da BR-319, que promovem um modelo de “saque de recursos naturais”. Nesse contexto, a atuação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi destacada como um ponto de resistência quase isolado. O coletivo manifestou solidariedade à ministra, que foi hostilizada durante uma audiência no Senado no fim de maio.
Na visão do coletivo, a desconstrução dos direitos humanos fundamentais não pode ser vista como um conjunto de projetos isolados. A análise aponta que essas iniciativas fazem parte de uma estratégia mais ampla de “devastação”, que inclui tentativas de deslegitimar e criminalizar os movimentos sociais.
O sentimento geral entre as organizações é de falta de canais efetivos de participação social. A análise apontou para uma “guerra cultural” promovida pela extrema-direita, que gera um “caos cognitivo” e exige uma resposta mais firme das forças progressistas, incluindo a Igreja.
O coletivo enfatizou que não basta criticar; é preciso intensificar a cobrança e usar estratégias de articulação política para furar o silêncio e a omissão do governo em momentos críticos. A percepção é que, enquanto a “boiada” de projetos antiambientais e de desconstrução de direitos avança, a resposta do campo progressista e do próprio governo tem sido insuficiente. A necessidade de lutar pela democracia e garantir condições de vida digna, baseadas na tríade terra, teto e trabalho, foi reafirmada como uma urgência.
Ao final do seminário, o coletivo definiu os encaminhamentos para fortalecer sua atuação. O serviço de secretaria do grupo atuará como ponto focal para a articulação, e será organizada a indicação de pastorais e instituições para coordenar os trabalhos no próximo período. Além disso, foi definida a prioridade para o próximo encontro com um aprofundamento sobre o tema da segurança pública, com o objetivo de traçar estratégias comuns de incidência política compartilhada.