Manifestação contra o genocídio do povo palestino na Faixa de Gaza e por uma Palestina livre, na Cinelândia, Rio de Janeiro (RJ) - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Nosso tempo — e nós também, que habitamos esta história — parece ter uma enorme dificuldade de escutar e acolher a dor que grita em milhares de vidas. Acabamos nos tornando reféns de uma simples palavra, como se ela fosse propriedade exclusiva de um grupo, de um povo ou até de uma única raça, como é o caso das palavras “holocausto” e “genocídio”.
O que impressiona é que os inconformados com isso são, muitas vezes, pessoas que passaram pela mesma dor — pessoas que experimentaram a cruel realidade do holocausto e do genocídio, como o que hoje atinge o povo palestino. E o mais estarrecedor é que o autor dessa violência é o mesmo Estado e a mesma instituição que, no passado, sofreram as mesmas barbáries. Em vez de buscar caminhos de diálogo e soluções para uma convivência pacífica e harmoniosa, alimenta-se o mesmo extremismo que se diz combater, tornando-se o espelho dele — com a única diferença de que agora há uma legalização por parte do Estado e de suas instituições.
E como não acolher o grito de Najat, filha de refugiados palestinos, testemunha viva de uma ferida aberta? Em uma carta à senadora Vitalícia Liliana Segre, sobrevivente do Holocausto, que expressou perplexidade diante do uso da palavra “genocídio” para descrever o que está acontecendo em Gaza, Najat escreveu:
“Li suas palavras com perturbação. A senhora diz que se sente ferida pelo uso do termo ‘genocídio’ para descrever o que está acontecendo em Gaza, como se essa palavra fosse uma herança sagrada, um direito exclusivo, um símbolo que pudesse pertencer a apenas uma das dores do mundo. Nós, palestinos, nunca quisemos roubar essa palavra, não a escolhemos. Ela foi gravada em nossos corpos, em nossa carne, em nossos sonhos, por mãos que talvez a senhora conheça melhor do que pode dizer.
Não, não nos orgulhamos dessa palavra. Ela não é uma medalha, não é uma bandeira. É uma ferida, é um grito, é o som surdo das bombas que destroem casas, hospitais, escolas, igrejas e mesquitas. É o grito das crianças sob os escombros, é o silêncio dos corpos desmembrados, é a fome que dilacera, é a humilhação do cerco.
É o nome que o mundo — esse mundo que nos observa e se cala — deu ao que nos acontece, enquanto choramos nossos mortos sem sequer poder enterrá-los.
Se realmente pudéssemos devolver essa palavra, senhora Segre, nós o faríamos em troca de uma única coisa: a vida de nossos filhos. Não haveria mais necessidade dessa palavra, porque mais do que qualquer outra coisa, nós, palestinos, desejamos apenas uma coisa: viver. Viver com dignidade, com justiça, com liberdade. Somos um povo que ama a vida, e que, apesar de tudo, continua a amá-la.”
Oxalá possamos nos unir a esse grito e levantar bem alto nossa voz contra a economia que gera uma sociedade de ódio, exclusão, aniquilamento e morte de tantos inocentes — inocentes estes jogados pela mídia no lixo, pois agora o que eleva os índices de audiência é mais uma história de ódio e egoísmo, disfarçada de denúncia de violações de direitos humanos e de vitimismo, tudo isso temperado por lutas de poder e desfiles de vaidades.
A realidade é que tudo está interligado. E nossa esperança é que, desta crise humanitária monstruosa, possa brotar — graças ao holocausto e genocídio de tantos inocentes — uma nova humanidade, alicerçada numa nova oikologia.

 

Este artigo foi editorial da Rede de Notícias da Amazônia em 05 de agosto de 2025.

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