Participantes do Encontro de Economistas e Afins, realizado no Sindsprev/RJ. Fotos: Flaviana Serafim
Por Flaviana Serafim | Jubileu Sul Brasil
Reunindo intelectuais, economistas, jornalistas, militantes e representantes de movimentos sociais de diversas regiões do Brasil, o “Encontro de Economistas e Afins: refletindo sobre os rumos da economia brasileira” foi marcado por reflexões sobre o capitalismo contemporâneo, as crises múltiplas que o país atravessa e a urgência de alternativas políticas estruturais.
Com uma abordagem crítica e decolonial, o encontro destacou que o atual modelo econômico, centrado na financeirização e na dívida pública, agrava desigualdades e precariza ainda mais a vida da população.
O evento, realizado no Rio de Janeiro no último dia 12 de julho de 2025, foi promovido pela Rede Jubileu Sul Brasil (JSB), que há 25 anos atua de forma promovendo reflexão e mobilização frente as dívidas pública, social, histórica e ecológica.
O documento-síntese das reflexões motivam a animação do Projeto Popular o Brasil que Queremos o Bem Viver dos Povos, como material de estudo e posicionamento para o eixo da economia.

Capitalismo em crise permanente

O debate principal girou em torno da crise estrutural do capitalismo global, agravada por desigualdades, devastação ambiental e financeirização de todos os aspectos da vida.
Para as pessoas participantes, não se trata apenas de uma crise econômica passageira, mas o colapso de um modelo, cuja resposta da burguesia tem sido aprofundar a expropriação de direitos, a precarização do trabalho e a destruição dos serviços públicos. É o colapso estrutural de um paradigma que esgota a vida, destrói os territórios e promove desigualdade como regra.
Para Soraya Tupinambá, pesquisadora da Fiocruz e membro do Jubileu Sul Ceará, as implicações da economia sobre o meio ambiente ficam invisíveis, ao mesmo tempo que se aprofunda o extrativismo no Brasil, sobretudo a mineração.
“O que vemos é uma financeirização da natureza muito grande, a partir dessa nova frente de desenvolvimento chamado ‘capitalismo verde’, com a transição energética, créditos de carbono. Sem controle florestas são transformadas em ativos financeiros e mecanismos de crédito de carbono, sem nenhum controle social, expropriam territórios comprometendo modos de vida”, critica.
Também foram abordadas desde as novas formas de exploração via plataformas digitais, até o papel de fundos de investimento internacionais no controle do saneamento básico e outros serviços no Brasil.

Velhas receitas, novos pacotes: dívida pública domina o Estado pelo capital financeiro

O papel da dívida pública como elemento central de controle e dependência foi outro ponto recorrente nas falas. Para especialistas presentes, a dívida interna brasileira, que consome quase metade do orçamento público por meio do pagamento de juros e amortizações (R$ 950 bilhões em 2024), é uma das principais expressões da captura do Estado pelo capital financeiro nacional e internacional.
As exposições apontaram que o sistema financeiro global, por meio do sistema de endividamento público, fundos de investimento e bancos multilaterais exercem controle direto sobre as políticas econômicas e sociais dos países.
Por isso, uma das pautas também foi a atuação das instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), promotoras de políticas de ajuste que esvaziam a soberania dos países e submetem seus orçamentos aos interesses do capital financeiro.
Um dos exemplos citados foi o relatório do Banco Mundial, entregue ao governo brasileiro em junho de 2025. O documento recomenda a revisão das regras da previdência, a redução de gastos com saúde e educação, e o avanço de parcerias público-privadas como solução para o investimento público, sob o pretexto de “sustentabilidade fiscal e ambiental”.
A discussão destacou ainda a atuação de fundos de investimento estrangeiros, como o BlackRock, e grupos financeiros nacionais, como o Itaú, que têm controle direto sobre setores essenciais como o saneamento básico, por meio de empresas como Aegea, BRK Ambiental e Grupo Equatorial.
“A lógica da dívida é usada como instrumento de dominação. O povo não deve: é credor de uma dívida histórica, social e ecológica que o Estado brasileiro ainda não pagou”, critica a economista e educadora popular Sandra Quintela, da Rede JSB.

Revolução ou barbárie: alternativas que nascem dos territórios

Ao mesmo tempo em que foi feita uma análise crítica do cenário político econômico atual, o encontro também teve como marca o compartilhamento de experiências de resistência, alternativas comunitárias, construção de outros caminhos e mundos possíveis.
Houve consenso de que a luta de classes está viva e que as lutas identitárias são parte constitutiva do embate, e não campos separados. A valorização da classe trabalhadora em toda sua diversidade – com raça, gênero, território – foi colocada como estratégia essencial para qualquer projeto de transformação.
“Ou a classe trabalhadora se organiza para superar o capitalismo, ou a barbárie será o nosso futuro”, resumiu Denise Gentil, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, para a administradora Deise Ferraz, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, o encontro de especialista é relevante “para que possamos refletir sobre os elementos determinantes que a classe trabalhadora se organiza para enfrentar. Mas um enfrentamento que não seja apenas de reação, seja também para a transformação dessa condição que nos encontramos hoje”.
As falas também convergiram em torno de um diagnóstico: para enfrentar a catástrofe social, ambiental e econômica que se avizinha, é preciso ousar imaginar outras formas de organização política, econômica e cultural – sem cair nas falsas alternativas oferecidas pelas potências hegemônicas.
Diante do aprofundamento da crise, os participantes defenderam a urgência de pensar alternativas estruturais que rompam com o modelo atual. Para os movimentos sociais presentes, não se trata apenas de mudar a gestão da política econômica, mas de propor novos caminhos, baseados na soberania popular, na justiça social e ambiental e no enfrentamento do racismo, do patriarcado e da colonialidade.
Outra urgência é repensar a economia desde os territórios, desde as mulheres, os povos originários e comunidades periféricas, reconhecendo suas práticas como expressões de enfrentamento real ao sistema.
Na visão da pesquisadora Soraya Tupinambá, é preciso “repensar um novo projeto para o Brasil, que compatibilize desenvolvimento com conservação dos bens comuns, água, floresta e produção de alimentos, sobretudo diante das emergências climáticas que ameaçam a vida do planeta. É o encontro entre economia e meio ambiente para pensar um projeto de país em outras bases, em bases sustentáveis e que seja capaz de enfrentar a crise do clima”.
Entre os desafios nesse processo, está o de reaprender a sonhar e a construir a esperança não como ilusão, mas como organização concreta das possibilidades.
Para o economista Plínio de Arruda Sampaio Jr, “a esperança surge na adversidade. Ninguém fica pensando que há esperança se está tudo bem. A esperança surge na adversidade, da junção da luta com a crítica, na luta de resistência à barbárie”, ressalta.

Próximos passos

Na avaliação de participantes, o encontro cumpriu seu papel como um espaço de escuta, de convergências e divergências, de articulação e ousadia.
“A população preta faz parte de um projeto político de emancipação e de luta, e precisa estar em espaços como esse para pensar novos rumos para esse país”, pontua a economista Giselle Florentino, diretora executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.
Para Gilberto Maringoni, jornalista e professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, “é fundamental fazer um encontro para discutir economia política porque economia são escolhas. E é decisivo fazer isso num momento em que há uma ofensiva Imperial contra o Brasil que suscita boa parte da população brasileira um sentimento nacionalista, de defesa do país”.
Segundo o jornalista, o governo Lula não é capaz de enfrentar o cenário articulando apenas com o empresariado. “O movimento popular é fundamental nessa história e esse encontro busca ajudar nesse ponto de somar num movimento nacionalista, mas principalmente partir de baixo, das reivindicações populares que não estão sendo plenamente atendidas”, completa.
O evento terminou com a formação de um grupo de trabalho para elaborar as discussões em um documento-síntese, a ser divulgado pelo Jubileu Sul. A expectativa é dar continuidade aos debates em outras atividades de forma virtual e, presencialmente, com um segundo encontro em data a ser definida
O encontro foi promovido no âmbito do projeto “Resistência e defesa dos direitos frente o sobre-endividamento e às mudanças climáticas”, realizado pela Rede Jubileu Sul Brasil conforme o Termo de Fomento nº 962421/2024, firmado com o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, decorrente da Emenda Parlamentar nº 39840002, de autoria da Deputada Federal Fernanda Melchionna.

Acesse o documento-síntese