Seminário reúne lideranças, pesquisadores e parlamentares para debater a escalada da violência, o racismo ambiental e projetos como PL da Devastação
Por Cláudia Pereira | APC
Após um momento de reflexão e partilha de sonhos, povos e comunidades tradicionais de todas as regiões do país iniciaram o dia (26) com intensos debates em Brasília. Em seminário sobre a violência nos Territórios e a impunidade contra os povos e a natureza. O objetivo central do dia era anunciar e denunciar as violências e violações. No Centro Cultural de Brasília (CCB), lideranças receberam pesquisadores e parlamentares para um dia dedicado a compreender a escalada da violência que atinge populações do campo, das florestas e das águas em todo o Brasil.
“O objetivo é ouvir os povos e desenvolver estratégias contra a violência, apoiando lideranças e fortalecendo políticas públicas, além de promover mecanismos de escuta para enfrentar conflitos”, afirmou Jardel Lopes, secretário executivo da Campanha Contra a Violência no Campo.
O evento, trás lema e o compromisso dos povos com a vida e a luta pela soberania, focou a discussão na impunidade, visibilizando denúncias e apresentando dados cruciais sobre a violência e a grilagem. O encontro contou com a participação dos deputados federais Erika Kokay (PT-DF) e Nilto Tatto (PT-SP).
“Os assassinatos e crimes contra a vida são métodos para expropriar não apenas a terra, mas também seus modos de vida, culturas, relações de parentesco e sociais”
Massacre no Campo: violência física e química
Os dados levantados por pesquisadores, somados aos testemunhos das lideranças, confirmaram um quadro de brutalidade crescente nos conflitos. O debate não se limitou à agressão física, destacando também a violência química, o impacto da monocultura e do uso intensivo de agrotóxicos. O levantamento, que reúne casos de violência e impunidade no campo desde 1985 (período da Nova República), foi realizado em conjunto por um grupo de universidades públicas e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mantendo atualizados os dados do contexto agrário nacional.
Segundo a análise, o modelo de agronegócio, apesar da maquiagem política e social, mantém sua essência na estrutura tradicional do latifúndio. A pesquisa evidencia a fragilidade do Poder Judiciário e denuncia a violência contra os povos comunitários, reforçando a importância da luta pelo acesso à terra.
O relatório chama especial atenção para a região amazônica, onde os massacres ocorrem de forma endêmica. “À medida que avança o desmatamento, também se provoca o surgimento de massacres”, disse o professor Humberto Góes, da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Além dos dados, a pesquisa detalha o racismo ambiental sofrido pelos povos. “Os assassinatos e crimes contra a vida são métodos para expropriar não apenas a terra, mas também seus modos de vida, culturas, relações de parentesco e sociais”, relatou o professor e antropólogo Edmilson Rodrigues.

“Viemos para reivindicar as violações de direitos que sofremos desde de 2020”
Acordo de Escazú e a Arqueologia dos Massacres
Os parlamentares presentes destacaram iniciativas em defesa dos povos, mas ressaltaram a realidade adversa no Congresso Nacional, onde a maioria é ligada ao movimento do Agro.
O deputado Nilto Tatto frisou a urgência de o Brasil ratificar o Acordo de Escazú (no âmbito da ONU para a América Latina e Caribe), que visa a defesa de defensores de direitos humanos e ambientalistas. “O Brasil é um dos países que mais mata defensores da luta. Conseguimos aprovar na Câmara, e falta aprovar no Senado”, afirmou. Ele defendeu que a sociedade acompanhe de perto a tramitação para que o acordo se torne lei interna.
Para Tatto, o seminário é fundamental para sistematizar as informações sobre a violência e embasar políticas públicas. “A paz no campo só é possível se houver reconhecimento e consolidação desses direitos, promovendo acesso à terra”, defendeu.
A deputada Erika Kokay denominou o estudo como a “arqueologia dos Massacres”. “É um ponto de chegada e um ponto de partida. Mais de 2 mil pessoas assassinadas na luta por direitos são vítimas da violência patrimonialista que acha que pode vergar, dominar o Estado e tem poder sobre as vidas”, declarou a deputada, ressaltando a importância da pesquisa para denunciar e proteger a vida de quem defende a natureza.
Odília Moraes, da comunidade tradicional de Taboca, no Mato Grosso (MT), reforçou as denúncias: “Viemos para reivindicar as violações de direitos que sofremos desde de 2020. Enfrentamos a queima de casas, grilagem de terra, extração ilegal de madeira e o foco de políticas públicas falhas. Estar aqui é uma forma de dizer: nós existimos, estamos resistindo e precisamos da regularização imediata do nosso território”.

Ameaças no Congresso e o PL da Devastação
Entre as maiores preocupações levantadas no seminário estão as propostas legislativas que tramitam no Congresso, buscando criminalizar movimentos de luta pela terra e anular a possibilidade de desapropriação de terras que não cumprem sua função social , um risco de retrocesso a conquistas históricas.
O debate também destacou o peso do poder econômico como principal motor da violência e a necessidade de uma forte atuação política no próximo processo eleitoral, por meio da politização das informações. O objetivo final é levar à disputa eleitoral a construção de uma sociedade inclusiva e democrática.
Na parte da tarde, foram apresentados indicadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) e da CPT, que evidenciam a crescente escalada de confrontos e ameaças.
Outro ponto de destaque foi o Decreto nº 6.040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), essencial para a regularização territorial e a valorização de seus modos de vida.
Um tema fundamental foi o Projeto de Lei PL 2159, o “PL da Devastação”, um grave retrocesso ambiental. Alice Dandara, do Instituto Socioambiental (ISA), contextualizou o processo histórico do projeto, que se tornou “moeda de troca” de parlamentares contrários às pautas dos povos.
O texto estará em debate nesta quinta-feira (27), para a análise da manutenção ou derrubada dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A pressão política visa derrubar todos os vetos, o que faria o PL da Devastação que praticamente elimina o licenciamento ambiental no país, retornar à sua versão original.
Por fim, os povos denunciaram que multinacionais estão explorando minerais críticos e raros para atender à demanda da transição energética. Essa atividade tem resultado na destruição de solo, águas e ecossistemas locais, como nos rios Araçuaí e no Vale do Jequitinhonha, intensificando a ameaça às comunidades tradicionais. A situação é agravada pela aprovação de leis que favorecem mineradoras e diminuem áreas de proteção, a exemplo da Chapada do Lagoão, que é uma Área de Proteção Ambiental (APA).
