Em seminário sobre os 25 anos do Protocolo de Palermo, debate reconhece as conquistas na legislação, mas alerta para o aumento do crime e a necessidade de fortalecer a colaboração contra as causas sistêmicas
Por Luiz Miguel Modino Regional Norte 1
O Protocolo de Palermo, conhecido oficialmente como o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, completa 25 anos. Na oportunidade, a Comissão Episcopal Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEETH), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizou um seminário virtual no dia 26 de novembro de 2025. O tema foi: “Protocolo de Palermo: 25 anos de conquistas e desafios no Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas!”.
Servir nos últimos e aos últimos
O evento serviu como mais uma oportunidade para sensibilizar a sociedade sobre a gravidade desse crime, que explora a vulnerabilidade e gera lucros bilionários. Nessa perspectiva, o bispo de Tubarão (SC) e presidente da CEETH, dom Adilson Pedro Busin, refletiu sobre a missão da Igreja Católica no enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Segundo o bispo, essa é uma missão que “procede do próprio Senhor Jesus Cristo e do seu Evangelho”. Ele disse ser “um mandato para servir nos últimos e aos últimos”, que leva a Igreja Católica a se colocar a caminho junto às vítimas, tornando-se voz dos que não podem gritar.
Essa missão se insere no capítulo 25 de Mateus, ao lado dos rostos sofredores do nosso tempo, segundo recolhe o Documento de Puebla. A temática está presente no Magistério dos últimos papas, como Bento XVI e Francisco, a quem o bispo definiu como um profeta diante da realidade do tráfico de pessoas, que é “uma chaga aberta da humanidade”, segundo o pontífice. Francisco chamava a não ficar parado e a mobilizar todos os recursos na luta contra o tráfico.
Fruto do multilateralismo
O protocolo foi fruto de um longo caminho e resultado do multilateralismo entre os países e grupos comprometidos na tutela de migrantes e de mulheres em situação de exploração sexual, segundo a Ir. Gabriela Bottani. A religiosa comboniana mostrou os avanços nesses 25 anos, na visibilização do tráfico de pessoas, na prevenção e nos relatórios globais bianuais emitidos pelas Nações Unidas. Esses relatórios permitem identificar as tendências globais e regionais deste crime transnacional e fazem uma análise conjunta dos dados.
Nesse tempo, o tráfico de pessoas foi tipificado como crime em muitas legislações nacionais. Isso, afirma a religiosa, que foi coordenadora internacional da Rede Talitha Kum, “favoreceu não somente a identificação, proteção e inserimento socioeconômico de vítimas e sobreviventes do tráfico, mas também as investigações e os procedimentos penais dos traficantes”.
Um compromisso da Vida Religiosa
Os 25 anos do protocolo levaram a reconhecer esse crime nos países de recrutamento das vítimas, em particular na África subsaariana. Desde 2001, as superioras-gerais assumiram, como Vida Religiosa, o compromisso de dar visibilidade ao tráfico de pessoas, bem como a cura e a proteção das vítimas. Nesse caminho, em 2008 foi criada a Rede Talitha Kum, formada por 64 redes, presentes em 108 países, com 841 congregações religiosas envolvidas, 91% femininas. A Rede Um Grito pela Vida, no Brasil, faz parte dessa rede internacional.
Esse caminho contou com o grande apoio do Papa Francisco, que em 2015 instituiu, no dia 8 de fevereiro (festa de Santa Josefina Bakhita), o Dia de Oração e Sensibilização sobre o Tráfico de Pessoas.
Os países signatários do protocolo se comprometeram na prevenção, no cuidado com as vítimas e sobreviventes, na repressão-responsabilização e na colaboração. Paralelamente, o compromisso foi assumido como parte das políticas públicas, por meio de ações de sensibilização, informação, fortalecimento e empoderamento de comunidades e grupos em situação de vulnerabilidade.
Um crime em aumento
Entre os desafios, Gabriela Bottani mostrou que estamos diante de um crime em aumento, segundo dados apresentados. Soma-se a isso a crescente vulnerabilização dos migrantes, consequência do pouco investimento governamental no enfrentamento ao tráfico de pessoas, da externalização das fronteiras e da criminalização dos migrantes, que dificulta a obtenção de vistos. Finalmente, as crises múltiplas vividas na sociedade atual.
Essa realidade demanda “fortalecer a colaboração dos diferentes grupos para enfrentar as causas sistêmicas que direta ou indiretamente contribuem para o crescimento do tráfico de pessoas”, sublinhou a religiosa. Ela propõe promover e sustentar a conversão ecológica; apoiar ações de incidência política a partir dos territórios, com o protagonismo das comunidades; tutela dos direitos dos migrantes internacionais e a promoção de leis migratórias que permitam a entrada legal; e o compromisso conjunto contra cada forma de discriminação. Um processo sustentado na espiritualidade, “que nos fortalece em não desistir do compromisso”, afirmou a religiosa. Ela chamou a resistir, proteger e cuidar, como atitudes decisivas.
Um protocolodo ratificado pelo Brasil em 2004
No Brasil, a ratificação do Protocolo de Palermo em 2004 fez avançar de forma significativa no reconhecimento e no combate ao tráfico de pessoas, segundo a Ir. Eurides Alves de Oliveira. A religiosa mostrou que “o país consolidou uma política nacional voltada à prevenção, repressão e atendimento às vítimas, com a criação de planos nacionais de enfrentamento, comitês interinstitucionais, postos de atendimento em fronteiras e campanhas de conscientização”.
Avanços que não escondem os desafios diante da impunidade dos aliciadores, a falta de integração entre os Estados, a escassez de recursos e a subnotificação dos casos, que ainda limitam a efetividade das ações. Isso se concretiza na exploração sexual, no trabalho escravo, no tráfico de migrantes e na remoção de órgãos e outras formas de exploração, consideradas pela religiosa do Imaculado Coração de Maria graves violações de direitos humanos.
Demandas para enfrentar o tráfico de pessoas
A Ir. Eurides demanda, para enfrentar o tráfico de pessoas, cooperação internacional, formação continuada de agentes públicos, articulação entre governo e sociedade civil e políticas centradas na dignidade e proteção integral das vítimas. Ela insiste em que “mais que reprimir crimes, é necessário promover justiça social e oportunidades, enfrentando as desigualdades estruturais que alimentam o tráfico humano”.
A religiosa fez uma análise crítica do protocolo diante da atual realidade. Ela demanda maior atenção às causas estruturais e às vítimas, maior efetividade prática, uma abordagem mais humanitária, integral e centrada nos direitos humanos, e tornar o protocolo um instrumento vivo de libertação e justiça.
Caminhos a seguir
Um desafio hoje são as conexões entre tráfico de pessoas, migração forçada e revolução tecnológica, aumentando os riscos. Uma realidade que deve levar a garantir os direitos humanos na era digital e migratória. Para enfrentar essa realidade, um desafio é a pobreza estrutural, a desigualdade de gênero e raça, as crises migratórias, a violência armada, a corrupção e o uso criminoso das tecnologias digitais para aliciamento e exploração. O caminho a seguir passa pela articulação em redes interinstitucionais, o fortalecimento das políticas públicas de prevenção e atendimento às vítimas, o uso ético da tecnologia para rastrear e denunciar crimes, e a cooperação internacional são caminhos promissores, destacou Ir. Eurides.
Com relação ao Brasil, a religiosa mostrou alguns instrumentos importantes e os objetivos a serem assumidos, assim como os eixos estratégicos. Junto com isso, ela refletiu sobre a atuação pastoral no enfrentamento ao tráfico de pessoas, que “nasce do compromisso evangélico com a vida, a dignidade e a liberdade de cada ser humano.” Um trabalho pastoral na prevenção, na acolhida das vítimas e na incidência social e política, na educação e conscientização, acolhimento e escuta de pessoas vulneráveis, articulação em redes com organismos públicos e civis, incidência político-profética, espiritualidade libertadora. Para isso, precisa agir “com compaixão, coragem e profecia”, ser “voz das vítimas, presença samaritana e força transformadora que defende a vida em todas as suas formas”.


