Sobre a violência no campo sofrida pelos povos originários e comunidades tradicionais no Maranhão, segundo o autor: “um estado profundamente violento nas suas relações agrárias”

Já não é novidade alguma que o Maranhão é um estado profundamente violento nas suas relações agrárias. Porém, mesmo diante do acúmulo de evidências e informações ao longo dos anos, muito pouco se alterou na estrutura agrária do Estado, marcada pela concentração fundiária, mandonismo político e obras para “inglês ver” de diferentes gestões.  Então, quem se importa com os pobres?

 

Há uma grave indiferença diante das recorrentes denúncias sobre conflitos fundiários e casos sem solução se acumulam como parte do acervo institucional de diferentes governos estaduais e federais. Casos emblemáticos compõem um vasto acervo constantemente atualizado e não à toa a profunda revolta de comunidades quanto a omissão estatal.

 

Em Arari, Baixada Maranhense, nas comunidades de Cedro e Flexeiras tem o registro de seis mortos nos últimos anos e um suposto consorcio envolvendo “fazendeiros e autoridades públicas”, segundo denúncias locais e não há qualquer resposta para a matança. As comunidades inclusive já receberam visitas do Alto Comissariado da ONU e nada parece mudar para além dos velórios e insistência dos quilombolas em lutarem dignamente por seus territórios.

 

A naturalização da violência nada mais é do que pedagógica para seus perpetradores, pois estimula sua prática como plausível e amarra comunidades empobrecidas a círculos de privação e medo

 

Há alguns dias, escrevi sobre a comunidade quilombola de Marmorana 3/Boa Hora, localizada no município de Alto Alegre, recentemente entrevistada pela Agência Tambor e é escandaloso o silêncio. A naturalização da violência nada mais é do que pedagógica para seus perpetradores, pois estimula sua prática como plausível e amarra comunidades empobrecidas a círculos de privação e medo.

 

É notável a indiferença das forças de segurança pública na investigação de possíveis agressores, a incompetência de órgãos fundiários que na melhor das hipóteses somente por pressão popular conseguem minimamente se movimentar, mas também é notório que a esquerda institucional, esta instalada na Assembleia Legislativa do Maranhão não tem qualquer interesse em encaminhar denuncias e cobrar providências.

 

É notável a indiferença das forças de segurança pública na investigação de possíveis agressores, a incompetência de órgãos fundiários que na melhor das hipóteses somente por pressão popular conseguem minimamente se movimentar.

 

É nítido, e não precisa ser nenhum especialista no tema, para perceber a associação direta entre graves conflitos fundiários, violência no campo e impunidade à questão racial. Privação, fome forçada, migração, grandes projetos de desenvolvimento econômico e desamparo estatal compõem o cenário do pior dos mundos, apesar do oba-oba e promessas de mudança. Talvez, a pergunta fundamental é: quem continuará esperando por mudanças que nunca chegam? E quando chegam, são para piorar vidas que já estavam em condições indignas?

 

Pedidos de desculpa, promessas, boas intenções não parecem ser a melhor resposta e já passa do momento de um plano efetivo para interromper a sangria no campo maranhense. Chega de obras faraônicas, promessas de redenção econômica sem qualquer vínculo com populações locais e biomas e negociar vidas e comunidades em prol de um desenvolvimento que nunca chegou e nem chegará. Para além da indignação seletiva que compõem momentos, fotos, vídeos e declarações, é necessário que cada um vista sua carapuça e aja, dentro de suas possibilidades e leque de alianças (tão celebradas e alardeadas) e enfrente a cotidianidade da violência e seus efeitos no campo maranhense.


*Igor Thiago é antropólogo, autor do livro Movimento Quilombola no Maranhão. Artigo originalmente publicado na Agência Tambor.

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