Favela do Moinho no centro da capital paulista. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Na 4ª aula do Ciclo de Formação de Agentes de Pastoral da Moradia e Favela, que ocorreu no dia 25 de novembro de 2025, a assessora da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora (Cepast-CNBB), Alessandra Miranda, conduziu a reflexão com o grupo que participou de outros três encontros de agosto a novembro. Nesta 4ª aula, o encontro teve como foco a “Ação pastoral da moradia e incidência política”, abordando a importância da atuação pastoral em contextos de moradia e políticas públicas.
Alessandra Miranda iniciou sua exposição enfatizando a necessidade de uma reflexão contínua sobre a pastoralidade sociotransformadora, especialmente em relação às realidades sociais enfrentadas nas favelas e periferias. Ela destacou a relevância de compreender a intersecção entre práticas pastorais e a promoção de mudanças sociais significativas.
A aula foi um convite à reflexão e à ação, propondo que os agentes pastorais da Moradia e Favela sejam “cuidadores de vidas”, comprometendo-se com a construção de políticas públicas que garantam direitos fundamentais e dignidade humana, um chamado a fortalecer a presença da Igreja nas periferias, a partir da escuta e da prática pastoral engajada.
Leia o artigo na íntegra:

Ação pastoral da moradia e incidência política

Para iniciar a conversa em processos formativos para agentes de pastoral relacionados às questões sociais, consequência da incidência política e políticas públicas, especialmente da Pastoral da Moradia e da Favela, somos desafiados a refletir por vários caminhos. Não alcançaremos todos eles aqui, mas partir da idéia de pastoral que vai sendo consolidada, não de forma permanente, pois está sempre em transformação, é o caminho escolhido. 

Teologia pastoral na Igreja

Vamos começar pela II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (1968) que aconteceu em Medellín, Colômbia, e implementou de maneira mais concreta os ensinamentos e observações pautadas no Concílio Vaticano II para a ação da Igreja na América Latina. 
Tem sido um longo caminho pensar a pastoral na perspectiva da pastoralidade sociotransformadora. Podemos dizer então que a atualização da implementação das decisões do Concílio Vaticano II é renovada com o Papa Francisco, na perspectiva da Igreja em saída, acidentada, mas corajosa em sua missão com e para o mundo. Temos então a compreensão desafiadora de uma pastoral sociopolítica e porque não dizer socioambiental, com a missão da incidência. 
Explorando o conceito de pastoral e sua contribuição para a transformação social, é fundamental entender a intersecção entre práticas pastorais e a promoção de mudanças significativas na sociedade com as ferramentas políticas democráticas e suas diversas formas de existência e participação, que por momentos se assemelham às práticas pastorais de décadas passadas, mas que devem ser atualizadas permanentemente, respondendo os tempos e suas novidades desafiadoras e criativas. 
Na atuação eclesial falamos muito sobre pastoral, uma raiz que nos remete ao movimento do campo, ou seja, rural, descrita desde os tempos de Jesus nos relatos de uma atividade de trabalho comum da época, o pastor e a condução do seu rebanho, na oportunidade, das ovelhas. A Palavra de Deus é vida pulsante e atualizada na caminhada dos seguidores de Jesus, pode ser repensada à partir daqueles que cuidam dos empobrecidos, das pessoas e situações mais vulneráveis, missão da Igreja e constitutivo principal da atuação de um agente de pastoral que atua na realidade urbana. Não temos ovelhas, mas temos e somos pessoas. E é nessa perspectiva que os pastores do tempo de Jesus nos ensinam. Conta-se, no segundo testamento, que se uma ovelha se dispersa, o pastor deixa as 99 e vai em busca da ovelha perdida. Porém, fico imaginando que o pastor não abandonou as 99 ovelhas, mas organizou para que as mesmas ficassem em segurança. Este é um gesto de amor e coerente com a prática de Jesus que se apresenta como bom pastor “sou bom pastor não tenho outro ofício e nem terei”.
Assim, toda a ação dos cristãos como continuadores da missão de Cristo, precisa ser entendida como uma ação pastoral, agregada pela convicção de que toda ação pastoral deve ser transformadora e, por consequência, política. Ou seja, fé e política, cuidado com a Casa Comum são princípios inegociáveis. Agentes pastorais são “cuidadores” de vidas. E isso se reflete na pastoralidade, que é a ação amorosa na diversidade de fazer pastoral trazendo novidades e possibilidades. 

Moradia é direito

O espaço de atuação simboliza a vida e suas experiências mais verdadeiras e autênticas. O chão é o da vida cotidiana e da complexidade que os territórios estão vivendo. A vivência nas favelas é a busca por identificação em relação à raça, gênero e geração – juventudes: REPARAÇÃO  que perpassa de forma dinâmica a justiça social que acredita-se na pastoral. É o caminho para as políticas públicas e sua realização plena nas favelas e periferias. 
Falar em favela e concentrar nas condições de moradia é um dos objetivos das Pastoral da Moradia e da Favela. A fonte para o engajamento está na experiência de mais de 40 anos da existência profética da Pastoral da Favela. A moradia sempre foi ponto focal nessa experiência pastoral. Com o Papa Francisco e sua trilogia de Terra, Teto e Trabalho, aprofunda-se os direitos como sagrados e as estruturas que geram as desigualdades para a transformação em serem guardiãs da vida: democracia, economia e soberania. 
A moradia e as políticas entram no cenário de forma mais evidente nas ações pastorais. A mesma agrega em si a porta de entrada para vários outros direitos que assegurem a dignidade humana e da natureza ou verbaliza de forma escancarada a violação da dignidade defendida pela pastoral. 
Se falamos em direitos, assumimos um lugar de profunda reflexão que deve buscar historicamente porque chegamos até aqui. Um país marcado pela escravidão que se perpetuou durante séculos e que, como modalidade, homens, mulheres, crianças… eram traficados para serem escravizados, e para além disso, viveram outras perversidades. Herança ainda viva na ancestralidade e presente nas relações desiguais ainda traduzidas através do racismo e do pacto da branquitude, na concepção concreta de sobrevivência, quando a vida é possível. Para complementar a reflexão trazemos um dos elementos da evangelização no Brasil dos séculos XVI a XIX, que trouxe uma iconografia branca da imagem de Jesus, que vai além de um discurso, mas que alimenta uma narrativa que exclui o diferente do modelo a ser seguido. 
É nesta realidade que o perfil do agente Pastoral da Moradia e da Favela tem se estruturado na Igreja do Brasil, mas com a necessidade e urgência da atuação para evangelização e formação com agentes/lideranças cristãs de outras igrejas e não cristãs. 
Uma pastoral que para além dos desafios socioambientais necessita de uma construção e concretização de superação da apologética, que pode ser uma armadilha e postura pastoral equivocada de compreensão de defesa de reconhecer apenas a ação pastoral católica como eficiente e coerente para a realidade, tratando tudo que é diferente na atuação religiosa/pastoral de outras experiências de fé, como heresia. Trazemos esta reflexão para associá-la à necessidade de uma ação conjunta de lideranças religiosas ou não religiosas das favelas e periferias para “fazer” processos que gerem cidadania e suas consequências democráticas.

Pastoral macro-ecumênica e interreligiosa

Se realmente atua-se pastoralmente nas favelas é necessário considerar a dimensão estruturante do ser pastoral macro-ecumênica e interreligiosa para uma verdadeira inclusão, sinal primordial para cidadania plena. Dando a devida atenção à inclusão e às políticas que identifiquem os preconceitos será necessário construir de forma orgânica as políticas de inclusão. Isso só acontece com reparação. Sem a devida intencionalidade, especialmente em questões de reparação histórica e social relacionadas a raça, geração, gênero, justiça econômica, protagonismo eclesial… não se efetiva a missão à que somos chamados. Sem essa tomada de consciência inicialmente da pastoral, torna-se inviável qualquer possibilidade de avançar em outras ações de incidência política. O cultivo de uma fé plural que abrace a diversidade, promovendo uma teologia negra, feminina e inclusiva alimenta a prática pastoral profundamente antirracista.
Os retratos das comunidades periféricas e das políticas sociais demonstram a ausência do Estado para  garantia dos direitos ou a presença fundamentalista e violenta contra as populações periféricas. A teologia com consciência crítica é fundamental para a leitura e atuação social nesta realidade. A atenção é para identificar se o discurso e a prática de emancipação da pastoral está sendo coerente com a base e a atuação pastoral. 
No cotidiano dos territórios, especialmente nas favelas e periferias, a leitura fundamentalista da  Bíblia (teologia da prosperidade e do domínio) que oprime e dificulta a identificação das injustiças e buscas coletivas por políticas de superação de desigualdades é um desafio presente e cotidiano. A Pastoral da Moradia e da Favela precisa enfrentar este desafio ao atuar nesta realidade e construir processos de incidência política. 
Na dimensão sociotransformadora, incluindo as ferramentas das políticas públicas a linguagem e a vivência da pastoral na favela, precisam constantemente compreender e comprometer-se com os mecanismos que possibilitam a sobrevivência humana. Um projeto de atuação com e na favela é impensável sem a estrutura das moradias e suas políticas públicas. Por que uma Pastoral da Moradia e da Favela se a Igreja tem como missão os empobrecidos?

Soluções e criatividades

TERRA, TETO e TRABALHO. Papa Francisco dizia que as lideranças das comunidades são poetas sociais e é deles que as soluções e criatividades aparecem. 
Nas dimensões estruturantes da aplicação das políticas, a ausência de compromisso para as políticas para as favelas pelo poder público é evidente. Até a política pública chegar, muitos passos antecedem as suas implementações. O controle e a exploração cultural, da mão de obra, do uso do solo nas favelas, são realidades gritantes. É aqui que os passos para a incidência política se iniciam. Uma pastoral que escute os apelos dos povos e do mundo. 
Algumas reformas podem fazer a atuação das Pastorais da Moradia e da Favela que consideram as políticas públicas. São ferramentas e inspirações: 
– A Doutrina Social da Igreja e outros documentos que alimentam a ação pastoral socioambiental.
 – A urgência em revisões pastorais (missão, planejamento, formação de lideranças, vivência da espiritualidade e da cultura).
 – O reconhecimento e o enfrentamento do racismo, homofobia, machismo e garantia da reparação nas instâncias organizativas – coragem em iniciar a mudança radical de superação.
– O emprego de uma metodologia pastoral que corresponda ao processo de evangelização socioambiental e considere a incidência política na favela.
– A garantia de outros direitos humanos e fundamentais (saúde, educação, lazer, etc.) ainda são grandes desafios. 
Metodologia pastoral e incidência política são inseparáveis. Não se limita à proposição de incidência para as políticas públicas, mas de planejamento. Originalidade do método participativo que consiste em partir da ação, privilegiando o processo participativo para cidadania. O trabalho pastoral em sua aplicação não pode ter desconexões das violações ou necessidades do território, diante de uma realidade de “vir a ser” como a da comunidade, será preciso um “ver novamente” como ser comunidade sociotransformadora através da incidência política.
Atuação pastoral não tem vitalidade sem incidência política. Trata-se de atualização em todos os sentidos. Com esse olhar teológico e eclesial, o Concílio Vaticano II e o magistério do Papa Francisco consideram abrir perspectiva de atualização da Igreja em relação ao mundo. Fortalece-se a compreensão da palavra método ou metodologia como técnica ou instrumento de operação de uma idéia, plano ou planejamento pastoral, em vista de uma ação sociopolítica eficaz.
Incidência política garantem políticas públicas, um conjunto de ações, decisões, diretrizes e programas criados pelo governo com a participação da sociedade civil e tarefas bem definidas dos poderes legislativo, executivo e judiciário, organizadas para o Bem Viver dos territórios e no cuidado das pessoas e da Casa Comum.

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