Foto: Marcello Casal Jr/ABr
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Nosso tempo tornou-se refém de uma economia que impôs a tirania do tempo útil. Tempo é dinheiro, não se pode perder. Tem gente se “matando de tanto trabalhar”. Isso é vida?  Somos mais importantes que o trabalho. O problema não é trabalhar, mas somente trabalhar.

A evolução das tecnologias e das máquinas e a riqueza produzida deveriam melhorar as condições de trabalho e, consequentemente, nossa condição socioeconômica. Porém, há um desequilíbrio absurdo entre descanso e trabalho.

A disputa pelo controle sobre o tempo é tão importante quanto as outras lutas por direitos sociais. O direito ao descanso foi conquistado com muita luta… e essa luta continua, companheir@!

O Direito do Trabalho nasce com a limitação da jornada laboral no século XIX. As mobilizações sindicais resultaram na Primeira Convenção de 1919 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabeleceu o critério de oito horas diárias de expediente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceu o descanso como direito universal inviolável (art. 24 e 39). Negar o descanso aos trabalhadores é violar os direitos humanos!

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT art. 129ss.) e a Constituição Federal (art. 7º) instituem as férias remuneradas e o descanso semanal. Negar o descanso aos trabalhadores é violar a Constituição!

O Brasil é um dos países onde mais se trabalha no mundo. Mais de 2/3 dos empregados formais trabalham na escala 6×1 e recebem menos de 2 salários mínimos. Descansar virou luxo! O fim da escala 6×1 está na ordem do dia porque os trabalhadores não suportam mais. Desemprego, altíssimas taxas de informalidade, salários miseráveis, milhões de jovens sem trabalho, pressão por resultados imediatos, ausência de fiscalização e desmonte da legislação trabalhista, insegurança, doença mental, stress, burnout, depressão. Quem trabalha na escala 7×0 não sabe quando começa e termina sua jornada. Em regimes assim, análogos à escravidão, a palavra trabalho assume seu sentido original do Latim tripaliare (torturar). Derivada de tripalium, é um instrumento de tortura feito de três pedaços de madeira. Efetivamente, “o dinheiro governa com o chicote do medo” (Papa Francisco). O fim da escala 6×1 é um grito de socorro.

O principal ensinamento da Bíblia sobre o trabalho encontra-se na Lei do Descanso (Shabbat). No livro do Êxodo (20, 8-11), o Sábado remete ao repouso divino do sétimo dia da criação: No descanso, não só no trabalho, somos feitos à imagem e semelhança de Deus. (Gen. 1,27). Deuteronômio 5, 12-15 relaciona o descanso com a experiência de um grupo de trabalhadores explorados. Organizados por Moisés, conquistam a libertação de um regime de escravidão que os proibia de descansar para não interromper as grandes obras. Por isso, “a memória e a experiência do Sábado constituem um baluarte contra a escravização do homem ao trabalho contra toda forma de exploração” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 258).  O descanso do povo trabalhador é uma prefiguração do repouso eterno (Hebreus 4, 8-10).

A Doutrina Social da Igreja sempre defendeu o direito ao descanso. No Século XIX, Papa Leão XIII, solidário à duríssima realidade dos trabalhadores explorados nas fábricas, defendeu o descanso com veemência (Rerum novarum, n. 30). O descanso é tão importante que mereceu uma citação no Concílio Vaticano II: “O esforço responsável e árduo dedicado ao trabalho deve ser seguido por tempo de repouso e descanso que permita cultivar a vida familiar, cultural e religiosa” (Gaudium et spes, n. 67).

Descansar significa mais do que interromper o trabalho. O direito ao descanso se apoia no primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho sobre o capital (Laborem exercens, n. 11). É a pessoa trabalhadora, e não a economia, o primeiro critério para determinar o tempo de descanso.

A redução do tempo de trabalho sem redução de direitos envolve a questão mais ampla da organização do trabalho. Com o fim da escala 6×1 busca-se um objetivo de longo prazo: trabalhar menos, trabalhar todos, produzir o necessário, redistribuir tudo. Isso exige uma mudança de mentalidade sobre os fins da economia.

Descanso é um ato de resistência! Trabalhar sem descansar é indecente, é uma crueldade. Cabe ao povo trabalhador lutar para que a ditadura do mercado não elimine o descanso. E que toda sociedade se coloque em Movimento pela Vida Além do Trabalho!

“Vale mais a palma da mão cheia de descanso do que duas mãos cheias de trabalho e de perseguir vento” (Eclesiastes 4,6).

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Artigo publicado originalmente no site faculdadejesuita.edu.br

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