Com a eleição do Papa Leão XIV, muitos se perguntam quais serão os rumos da Igreja depois do tempo de Francisco — um período que marcou a história de forma única e irrepetível, como sempre acontece a cada pontificado. A história da Igreja, no entanto, costuma se repetir em ciclos. Basta lembrar o impacto inesperado de João XXIII: um Papa inicialmente visto como “de transição” que se tornou um verdadeiro furacão ao convocar o Concílio Vaticano II. A continuidade e a implementação desse processo couberam a Paulo VI, consolidando uma virada histórica.
Algo semelhante ocorreu com Francisco. Após o breve pontificado de João Paulo I, a retomada de uma cristandade com João Paulo II e os anos turbulentos de transição com Bento XVI, Francisco reabriu o processo de uma Igreja conciliar, sinodal e circular — a Igreja sonhada e acalentada por Paulo VI. Sua ação pastoral reacendeu a ideia de povo de Deus como sujeito e protagonista, transformando a evangelização em comunhão, participação e missão.
Os grandes temas propostos por Francisco — uma Igreja “em saída”, de “portas abertas”, hospital de campanha, misericordiosa e compassiva, próxima das periferias urbanas e existenciais — foram muito além de slogans. Tornaram-se método pastoral, imprimindo leveza teologal e força missionária inspirada na experiência latino-americana. Essa visão encontrou expressão concreta nas comunidades eclesiais de base, na partilha da Palavra, na vida cotidiana, animando práticas sociotransformadoras e gerando sinais de uma nova humanidade nascida do Ressuscitado: a civilização do amor, onde fraternidade e amizade social se encontram.
Hoje, todos aguardam com atenção os próximos passos de Leão XIV, especialmente após os intensos compromissos jubilares que marcam o início de seu pontificado. Um primeiro sinal, porém, já foi dado: a publicação da exortação apostólica Dilexi Te, texto que estava entre os projetos de Francisco e que Leão assumiu, oferecendo assim uma marca clara para o futuro. Nela, consagra-se a “opção preferencial pelos pobres” não mais como um elemento acessório, mas como fundamento teológico enraizado no mistério da Encarnação e na vida de Jesus de Nazaré — luz e caminho para este tempo de profundas transformações.
Em meio à revolução midiática e tecnológica impulsionada pela inteligência artificial, o Papa Leão propõe recuperar a harmonia da criação, reconhecendo a interconexão de todos os seres como parte de uma “oikologia” integral. Nesse horizonte, as teologias — especialmente a Teologia da Libertação e as teologias dos povos originários — têm muito a contribuir, alimentando e fortalecendo a esperança de um novo tempo.
Oxalá que esses ventos de continuidade e renovação sustentem a caminhada da Igreja, mantendo viva a profecia do Concílio e a ousadia evangélica que Francisco soube reacender.
Este artigo foi editorial da Rede de Notícias da Amazônia em 20 de outubro de 2025