Foto: Cláudia Pereira

 

Por Padre Francisco Aquino Júnior

 

É muito significativo o tema do ano jubilar convocado pelo Papa Francisco para esse ano: Peregrinos da esperança. Primeiro, pela ousadia de falar de esperança em tempos de desesperança. Segundo, por falar da esperança em termos de caminho, de busca, de peregrinação. A esperança é certamente um dom (obra do Espírito em nós), mas um dom que só se acolhe e só se torna fecundo na doação de si (obra nossa no Espírito). É um dom-tarefa, algo que recebemos para realizar. Por isso mesmo, sempre nos surpreende (como dom), mas sempre nos mobiliza e compromete (como tarefa).
 Há momentos na história mais favoráveis à esperança, marcados por uma atmosfera de esperança: abertura, sonho, busca, ousadia, criatividade, alegria etc. E há momentos na história menos favoráveis e até hostis à esperança, marcados por uma atmosfera de desesperança: depressão, medo, angústia, tristeza, desespero etc. Se a esperança mobiliza, pondo a caminho e abrindo caminho; a desesperança imobiliza, paralisando e sufocando os sonhos e as buscas.
 Vivemos numa atmosfera de desesperança que é resultado de um conjunto de fatores que provoca sofrimento, desespero e morte. Pensemos, por exemplo, na população em situação de rua – privada de quase tudo na vida; nas famílias que sobrevivem basicamente de programas sociais; nas mulheres violentadas; nos idosos abandonados, violentados e explorados; nas pessoas enfermas que sofrem e morrem em filas e corredores de hospitais; na população encarcerada que vive em situação desumana e não raramente é torturada; nas vítimas do tráfico, das milícias e das facções; nas áreas atingidas por catástrofes/crimes ambientais, especialmente as áreas de risco; no povo negro que sofre com o racismo nas profissões, no salário, nas piadas, na violência policial; na população lgbtqiap+, vítima de preconceito, exclusão e assassinato; nos altos índices de depressão etc. Poderíamos ir longe com essa ladainha de lamentações…
 Isso provoca um clima generalizado de insegurança e medo. O filósofo coreano Byung-Chul Han fala de uma “pandemia do medo”, de um “regime do medo”. E o medo difunde uma “atmosfera depressiva” nas pessoas e na sociedade. A dimensão dos problemas acaba criando uma sensação de impotência, como se não houvesse saída possível: “não tem jeito”, “não adianta” etc. Essa sensação de impotência sufoca os sonhos, produz resignação e desmobiliza a criatividade das pessoas e da sociedade: para que perder tempo e gastar energia com o que parece impossível realizar? E acaba criando um ambiente propício para o autoritarismo e diferentes formas de dominação: 1) seja nas relações cotidianas entre as pessoas; 2) seja das milícias, máfias e facções que dominam tantos territórios em nosso país e constituem um verdadeiro Estado paralelo; 3) seja de grupos, partidos e governos de extrema direita que difundem preconceito, intolerância e ódio, que manipulam o sentimento religioso do povo e que atentam até contra as instituições do Estado de Direito.
 Num contexto como esse é muito significativo falar de esperança, anunciar esperança, mobilizar esperança. É uma forma de esperançar o mundo. Não com uma esperança ingênua e passiva, mas com uma esperança lúcida e ativa. A esperança não é um otimismo ingênuo, como se no final tudo “vai dar certo”. Tampouco é pura espera, como se em nada dependesse de nós. Nem é fruto de sucessos, como se fosse impossível brotar e frutificar em meio aos fracassos e as tragédias da vida. A esperança tem raízes mais profundas: brota da condição espiritual do ser humano, enquanto um ser que tem que se fazer a si mesmo com as possibilidades disponíveis em cada situação e contexto; brota, em última instância, do Espírito de Deus que age em nós e através de nós faz novas todas as coisas. Por isso mesmo, quando menos se espera e de onde menos se espera, brota a esperança como força e movimento que ergue e põe a caminho, refazendo a vida e reconstruindo a sociedade: brota no meio de guerras e catástrofes socioambientais, nas favelas e periferias, nas ruas e nos lixões, nos leitos e nos presídios, nos corpos violentados, nas aldeias e nos quilombos, nas ocupações e até nos massacres…
Sejamos, pois, “peregrinos da esperança” nesses tempos de desesperança. Esperancemos o mundo com aquela Esperança que não decepciona: “o amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito que nos foi dado” (Rm 5,5).

 

*Texto publicado originalmente no Portal das Cebs

 

 

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