Outra vez uma mulher. Na visão cristã Deus entra na história humana a partir de uma mulher. Melhor dizendo, através de uma menina, pois Maria contava com no máximo 14 anos quando engravidou. Lucas relata que o sacerdote Zacarias, homem da religião, do culto oficial, quando recebe a visita do anjo lhe comunicando que sua esposa Isabel, idosa e estéril, iria engravidar, mostrou-se reticente e incrédulo (Lc 1,18). Maria, essa menina, diante do anúncio do anjo que lhe comunicou que seria a mãe do Filho de Deus apenas disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Deus quis submeter-se à liberdade de Maria, que profundamente corajosa, gerou o Verbo em sua humanidade. Uma mulher foi a arca da Nova Aliança.
Quando nas bodas de Caná, símbolo da nova união matrimonial entre Deus e toda a humanidade realizada em Jesus, falta vinho, Maria intervém. Maria, na visão joanina é a imagem do Israel fiel ao projeto de Deus, que aguardava o Messias. É ela que dirá: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). O vinho era o sinal da alegria, que não existia na antiga aliança entre Deus e Israel, pois esta foi celebrada sobre a lei, não sobre o amor. Na Nova Aliança jorra vinho, jorra a alegria de um casamento celebrado no amor. Maria sabe disso. Uma mulher aponta para a Nova Aliança.
Aos pés da cruz de Jesus permaneceram de pé três mulheres e o misterioso discípulo que Jesus amava (Jo 19,25). Onde foram os demais? Onde foram Pedro e os demais apóstolos? Fugiram. Se esconderam. Tiveram medo. As mulheres, porém, estavam ali, diante do Crucificado, de pé. Na madrugada do domingo foi a Maria Madalena que Jesus se manifestou ressuscitado e fez dela apóstola dos Apóstolos, pois a ela confiou a missão de anunciá-lo vivo aos demais. Uma mulher testemunha o triunfo da Nova Aliança.
As mulheres dentro da comunidade cristã se destacaram pela coragem e fidelidade ao Mestre, muitas vezes enfrentando os homens de poder das estruturas eclesiásticas. Poucos dias atrás novamente uma mulher se fez apóstola dos apóstolos. Diante do homem que ocupa o cargo mais poderoso do mundo, o presidente dos Estados Unidos, a Bispa anglicana de Washington, Mariann Edgar Budde, com ternura e firmeza exortou Donald Trump à misericórdia. Trump, como se sabe é um extremista de direita, alguém que ameaça constantemente os direitos humanos fundamentais. Extremante antagônico é contra o aborto, mas deseja repristinar a pena capital em casos federais.
A Bispa colocou-se firmemente em defesa da comunidade LGBTQI+ e dos imigrantes ilegais, dois grupos na mira do novo governo de Trump. Com a firmeza de uma mulher ela pediu misericórdia pelas pessoas dos EUA que, nas suas palavras, “estão assustadas”. O presidente a fitava visivelmente incomodado.
Quantos líderes religiosos teriam essa coragem? Ou melhor, quantos bispos teriam essa coragem? Não consigo visualizar um bispo católico norte-americano usando as mesmas palavras que a Reverenda. Mariann. Por prudência? Não, por falta de coragem. Novamente uma mulher fez ressoar aos ouvidos dos demais apóstolos o anúncio do Evangelho de Jesus na sua integridade. Agora entendo que foi por essa coragem que Deus escolheu a elas e não a nós.