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O IBGE revelou que o Censo de 2022 ainda apresenta a Igreja Católica como numericamente majoritária entre os brasileiros. Apesar de o número de fiéis permanecer em queda, a velocidade com a qual os católicos estão abandonando sua fé diminuiu. Isso gera uma questão importante: se os católicos ainda são maioria no cenário religioso brasileiro, por qual motivo a Igreja Católica está sendo ignorada nos ambientes públicos? Como explicar que um grupo tão grande, e outrora tão influente, hoje parece irrelevante socialmente?
Talvez os sociólogos da religião possam ajudar com essas inquietações que não são apenas pessoais, mas pertencem a muitos dentro da comunidade católica. Me parece, e posso estar completamente equivocado, que a Igreja Católica foi “tirando o time de campo” de propósito, fazendo com que o clero voltasse a se preocupar com as alfaias e sacristias, deixando a questão sociopolítica para outros agentes. De fato, o clero hoje mostra-se como profissional do sagrado, exaltando o sacerdócio e deixando na penumbra a atividade profética. Algo, no mínimo, paradoxal, visto que Jesus nada reclamou do sacerdócio, mas encarnou profundamente a profecia.
O nó da questão é saber o porquê deste movimento ad intra. O que levou uma igreja que redescobriu sua vocação profética em Medellín e formulou sua opção preferencial pelos pobres em Puebla, tornar-se apática à realidade? Penso que isso não foi fruto do acaso, mas um projeto de igreja: uma igreja preocupada com o “espiritual”, que deixa os problemas sociais de lado, ou os trata como uma preocupação residual, não mais central.
O Brasil conheceu e foi moldado a partir dos anos sessenta por bispos como Dom Helder Camara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom José Maria Pires, os primos Dom Ivo e Dom Aloísio Lorscheider, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Pedro Casaldáliga, entre tantos outros. Bispos de protagonismo, de posição clara, de ideias próprias, de personalidade. Foram bispos protagonistas em suas igrejas particulares, que nunca perderam a comunhão com a Igreja universal, mas que não submeteram suas dioceses às intromissões descontextualizadas da cúria romana. Claro, pagaram um alto preço. À medida que iam ficando eméritos, iam também sendo substituídos por bispos sem expressão ou, até mesmo, antagonistas aos seus pastoreios. Foi a resposta da Igreja.
O que a política das nomeações episcopais ordenadas por João Paulo II e levadas à frente até hoje trouxe foi uma reinante irrelevância da Igreja na sociedade. Quem hoje se interessa por aquilo que os bispos dizem ou deixam de dizer nas assembleias da CNBB? Além de críticas exacerbadas de ultraconservadores, qual o espaço que os meios de comunicação dão aos posicionamentos da Igreja em relação às questões sociais? De uma Igreja que foi a voz dos sem voz durante a ditadura, passamos a ser uma voz que ninguém mais quer ouvir.
O mais triste é pensar que isso foi projetado: um tipo de bispos, um tipo de padres, um tipo de trabalho pastoral. De uma pastoral libertadora, cujo fundamento era a dimensão batismal, passamos a uma pastoral sacramentalista, cujo fundamento é o ministério ordenado. E hoje, como escapar disso tudo? Francisco tentou incutir na Igreja uma ótica sinodal, que recoloque o eixo da ação eclesial no batismo e reestabeleça o protagonismo de uma pastoral de cunho profético, consciente e atenta aos sinais dos tempos. Porém, a Igreja não “mordeu a isca”, nem fora, nem dentro do Brasil. Preferimos a sacristia, os grupos de sempre, os movimentos centrípetos, a repetição de discursos defasados. Enquanto isso grupos fundamentalistas aparelham os poderes da República e nós nos tornamos meros expectadores desse show de horrores.
Uma igreja pensada para ser irrelevante socialmente, por medo de bichos-papões como o comunismo, secularismo e outros devaneios. Além, evidente, por interesses e por conveniência… Espero que não acordemos tarde demais! Quero, contudo, confiar nas palavras de Dom Helder que nos alentava na esperança de uma Igreja resgatada de suas próprias engrenagens: “não sei qual, não sei quando, não sei como, mas estou seguro de que o Senhor recuperará a Igreja de Cristo, arrancando-a das engrenagens financeiras. Ele o fará, e ela sairá ensanguentada e nua, porém mais bela do que nunca”.

 

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