Os dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam um retrato transformado da fé no Brasil. Pela primeira vez, o percentual de evangélicos atinge um recorde de 26,9% da população, enquanto os católicos registram seu menor patamar histórico, com 56,7%. Este cenário, que à primeira vista sugere uma substituição hegemônica iminente, revela, sob um olhar mais atento, uma dinâmica complexa, com sinais de desaceleração e barreiras estruturais que podem definir um teto para a expansão evangélica no país.
A análise geográfica do crescimento evangélico é fundamental para entender seus limites. O avanço, embora nacional, não é homogêneo. Observa-se que a expansão parece perder fôlego nos eixos Sul e Sudeste, regiões mais urbanizadas e com maiores índices de desenvolvimento. É aqui que a tese de um “teto” de crescimento, talvez em torno dos 30%, ganha força.
Em contrapartida, a maior presença evangélica se consolida no Centro-Oeste e, principalmente, no Norte, áreas de expansão de fronteira agrícola e com características demográficas distintas. O Nordeste, por sua vez, emerge como um território de maior resistência. Apesar do crescimento, a profunda tradição católica e as particularidades culturais da região parecem impor um ritmo mais lento à “conversão”.
Essa disparidade regional sugere uma correlação com o desenvolvimento socioeconômico. A hipótese levantada é que o neopentecostalismo, em sua fase mais vigorosa, prosperou como um fenômeno de massas, encontrando grande apelo entre populações com menor instrução acadêmica e em contextos de maior vulnerabilidade social. À medida que regiões como o Norte e o Centro-Oeste avançarem em seus indicadores de desenvolvimento e educação, é provável que repitam a tendência de saturação já observada no Sudeste.
Um dos argumentos mais sólidos para a improvável maioria evangélica reside na sua própria natureza: a fragmentação. O termo “evangélico” abrange uma miríade de denominações, igrejas e ministérios independentes, sem uma liderança centralizada. Mesmo que a soma de todos os evangélicos ultrapasse um dia o número de católicos, nenhuma igreja evangélica, individualmente, se aproximará da magnitude da Igreja Católica.
A estrutura da Igreja Católica, por outro lado, é sua maior fortaleza. Organizada de forma hierárquica e capilar, com uma base paroquial que se estende por todo o território nacional, ela possui uma resiliência institucional inigualável. Essa força é amplificada por seu trabalho em comunidades e pastorais sociais, que criam laços profundos e duradouros com a população, para além do aspecto puramente religioso. Essa presença comunitária constante garante uma base fiel e uma influência que os números brutos, por si sós, não conseguem capturar.
Outro fator crucial que limita o potencial de crescimento evangélico é o aumento expressivo do número de brasileiros que se declaram “sem religião”. Este grupo, que já se aproxima de 10% da população no Sudeste e representa uma média nacional significativa, compete diretamente pelo mesmo contingente de pessoas que poderiam, em outro cenário, migrar para o evangelicalismo.
Somado a isso, a queda contínua da taxa de natalidade no Brasil significa que o “reservatório” de novos fiéis está diminuindo para todas as religiões. Em um ambiente de menor crescimento populacional e com uma parcela crescente optando pela não afiliação religiosa, a competição se torna mais acirrada, tornando o crescimento exponencial do passado uma meta cada vez mais difícil de ser alcançada.
O avanço evangélico nas últimas décadas é um dos fenômenos sociais mais importantes do Brasil contemporâneo. No entanto, os dados do Censo 2022, interpretados à luz das dinâmicas regionais, estruturais e demográficas, sugerem que estamos entrando em uma nova fase. O crescimento explosivo parece estar dando lugar a uma consolidação, com um teto de expansão cada vez mais visível.
Para a Igreja Católica, a situação é de desafio, mas longe de ser terminal. Sua estrutura robusta e sua capilaridade social lhe conferem uma estabilidade duradoura. Para o Brasil, o cenário aponta para um futuro de pluralismo religioso consolidado, onde a hegemonia de um único grupo se torna cada vez mais improvável. A situação, portanto, se desenha como um novo e complexo equilíbrio de forças, mais “confortável” no sentido de que a diversidade religiosa, e não a substituição, parece ser a tendência dominante.