Evento online promovido por comissões da CNBB aprofundou a reflexão sobre o novo documento do Papa Leão XIV, que liga fé e amor aos pobres
Por Cláudia Pereira | Cepast-CNBB
A Comissão Episcopal para a Ecologia Integral e Mineração (CEEM-CNBB) e a Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora (Cepast-CNBB) promoveram, na noite desta segunda-feira (20), um debate online sobre a primeira Exortação Apostólica do Papa Leão XIV, “Dilexi te” (Eu Te Amei). Transmitido ao vivo pelo YouTube e acompanhado por mais de 700 pessoas, o encontro aprofundou os desafios levantados pelo documento, publicado em 9 de outubro. A reflexão girou em torno da inseparável ligação entre a fé e o amor aos pobres, dando continuidade ao legado do Papa Francisco.
O debate contou com a participação de Dom Vicente de Paula Ferreira, presidente da CEEM-CNBB, dom José Ionilton Lisboa, bispo da Prelazia do Marajó (PA) e referencial da Cepast-CNBB, e Alessandra Miranda, assessora da Cepast.
Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo de Livramento de Nossa Senhora (BA), iniciou sua partilha destacando a palavra “pobre” ou “pobreza”, que aparece 327 vezes, segundo ele, nos 121 números da exortação. Ele ressaltou a crítica do Papa a um sistema econômico excludente. O bispo citou o número 92 do documento, que denuncia a “ditadura de uma economia que mata” e o desequilíbrio onde os lucros de poucos crescem exponencialmente, enquanto os da maioria se situam cada vez mais longe da promoção de uma vida digna.
“Se eu pudesse escolher um número para dizer onde está a causa de toda essa pobreza no mundo, eu escolheria o número 92, que explicita essa economia que mata”, afirmou Dom Vicente.
O presidente da CEEM-CNBB também trouxe uma autocrítica eclesial provocada pelo documento, questionando o conceito de uma “igreja pobre” para os pobres. “Eu me pergunto, que igreja pobre? Qual seria essa igreja pobre?”, questionou o bispo. “Eu creio que a igreja do grande povo de Deus no mundo, ela é pobre, porque a maioria das pessoas são pobres. Mas existe alguma estrutura que ainda precisa se converter?”
Dom Vicente ainda apontou a necessidade de aprofundar a Ecologia Integral como paradigma de transformação sistêmica, tema que, segundo ele, aparece pouco no documento, mas é essencial para entender as causas da crise socioambiental.
Dom José Ionilton Lisboa, por sua vez, destacou a sintonia e a continuidade entre o Papa Leão XIV e o Papa Francisco, que, segundo ele, “havia concebido e possivelmente iniciado a redação do conteúdo”. “Quando o Papa Leão XIV assume esse documento com essa temática e ainda explicitamente diz que ele toma o sonho do Papa Francisco de escrever esse documento e torna esse sonho dele, é muito significativo”, expressou dom Ionilton.
O bispo da Prelazia do Marajó (PA) também ressaltou a importância dada aos movimentos populares como força de transformação social, alinhando à 6ª Semana Social Brasileira e ao testemunho de figuras como Santo Oscar Romero.
Respondendo aos desafios do debate, dom Ionilton defendeu que a fé e a justiça social são inseparáveis. Para ele, o papel da Igreja diante de uma “economia que mata” é exercitar a profecia e denunciar essa injustiça. O bispo afirmou ainda que a opção preferencial pelos pobres se articula em três níveis de caridade: assistencial, promocional e libertadora, e não deve limitar ao primeiro para não perpetuar sistemas injustos.
“Eu acredito que a exortação do Papa Leão XIV vai nos ajudar muito a reavivar em nós o serviço que a gente já fazia”, finalizou Dom Ionilton.
Ambos os bispos destacaram também a relevância dada pelo documento a figuras inspiradoras como Santa Dulce dos Pobres e Madre Teresa de Calcutá.
Alessandra Miranda, assessora da Cepast, enfatizou a necessidade de integrar a dimensão sociotransformadora em toda a Igreja, para além das pastorais sociais, conectando a “Dilexi te” com documentos como “Laudato Si” e “Fratelli Tutti”.
Ela destacou o chamado do Papa para enfrentar as violências que afetam os mais pobres, para que eles possam assumir o papel de protagonistas de suas próprias histórias. “O documento me marcou muito quando ele fala das pessoas expostas às violências. Os humildes serão exaltados. Então, essas violências precisam ser enfrentadas para que essa exaltação e esse reconhecimento aconteça através do protagonismo da pessoa como sujeito, como protagonista da mudança”, disse Alessandra.
Em sua conclusão, dom Vicente contextualizou o debate no cenário global, afirmando que a humanidade vive uma “encruzilhada civilizatória” diante de uma crise socioambiental profunda, incluindo o aquecimento global e suas consequências. Ele refletiu sobre a responsabilidade da Igreja e da sociedade, enfatizando que “não podemos ser meros espectadores”, pois as consequências podem ameaçar a própria continuidade da história da humanidade.
Segundo dom Vicente, a profecia deve ser reconhecida nas pastorais sociais, que hoje enfrentam dificuldades e críticas. “Há um ataque a posturas proféticas, sugerindo que isso pode refletir um discurso capitalista religioso, afastando a essência da verdadeira igreja”, disse. Ele concluiu destacando a importância da Igreja, especialmente no contexto da COP30, em apoiar e defender as lutas dos povos originários, negros e mulheres como resposta a essa economia, adotando uma postura mais profética e explícita.
Ao encerrar suas conclusões, dom José Ionilton respondeu a perguntas das pessoas que interagiam ao vivo. Questionado sobre o que falta para que os católicos acolham a opção pelos pobres, o bispo ressaltou que essa escolha é bíblica e evangélica, e enfatizou a necessidade de buscar compreender essa realidade.
Ao final da live, Alessandra Miranda convidou a todos/as para participarem da 9ª Jornada Mundial dos Pobres, que ocorrerá de 9 a 16 de novembro. A Comissão Sociotransformadora preparou um subsídio para animar as comunidades a irem além da caridade, questionando as causas da pobreza.
“Não existe uma ação transformadora sem profecia, sem ousadia e sem coragem”, concluiu.
