Juce Rocha | Cepast-CNBB
A manhã de terça-feira (11) teve início com a força do acolhimento no primeiro dia do Seminário das Pastorais Sociais, em Brasília (DF). O evento segue até amanhã (12) e reúne os bispos referenciais e representantes das pastorais e organismos que integram a Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB).
O ponto central do dia foi a análise de conjuntura, que contou com as contribuições de Chico Botelho, secretário adjunto da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e Rud Rafael da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
“Hoje nós conversamos um pouco sobre esse mundo onde todas as coisas estão interligadas, com um grau de incertezas dos acontecimentos muito grande. Nós estamos vivendo um momento de grandes modificações, temos a mudança no governo norte americano, que está adotando um conjunto de medidas que atinge todo o mundo”, destacou Chico Botelho.
“Analisamos os dados que estão presentes nessa realidade, para melhor orientar nossa ação que é sociotransformadora. Se queremos modificar essa sociedade para vivermos em um ambiente mundial mais solidário, mais fraterno, precisamos verificar justamente essas forças que estão compondo o contexto do mundo, para fortalecer e dar unidade às tendências transformadoras dessa realidade que é tão opressora para migrantes, populações mais pobres, para as periferias das cidades e do mundo, assim como tentar conter as forças reacionárias que tentam voltar à história para trás, as forças que tentam aprofundar as diferenças sociais, as crises climáticas, os autoritarismos”, enfatiza Botelho.

Incertezas e mundo interligado
A análise de Botelho aponta para o cenário de incertezas, marcado pelo fluxo frenético das mudanças que determinam alterações de rotas o tempo todo. “Alguns analistas afirmam que, mesmo que ainda estamos em transição de muitas coisas, já estamos vivendo em uma nova era. O fato de tudo estar interligado nos lembra que uma pequena ação em uma região do Planeta pode provocar uma enorme escala de modificações no outro hemisfério do mundo, porque está tudo interligado”.
Botelho destaca que compreender a correlação de forças para agir de maneira mais eficaz na direção da ação sociotransformadora é fundamental na missão das pastorais sociais para tentar anular as forças que são contrárias a essa transformação.
Globalização interrompida
“O mundo que a gente conheceu depois da Segunda Guerra Mundial foi organizado em dois pólos: de um lado os países centrais capitalistas, basicamente coordenados pelos Estados Unidos, formado por países da Europa e pelo Japão, e do outro, a União Soviética. Esses pólos disputavam uma maneira de produzir e de organizar a sociedade, mas esse contraponto deixou de existir e a globalização está sendo interrompida”, analisa Botelho, que também destaca que o capitalismo em crises constantes consegue sobreviver em função da destruição de direitos conquistados e grandes saltos econômicos, a partir das revoluções tecnológicas. Isso provocou um colapso no mundo inteiro, aumentando de maneira exponencial a crise ambiental e social, que geram grandes conflitos e guerras.
Elementos de esperança
Segundo Botelho, a profecia que o papa Francisco nos oferece, expressa-se de maneira extraordinária na Laudato Si e se constitui como um elemento de grande esperança, na medida em que aponta para questões essenciais para a compreensão de saídas justas para a nova organização mundial, com uma crítica profunda ao neoliberalismo. Francisco nos oferece ainda outra porta de saída que é a Fratelli Tutti, “uma crítica profunda à forma como os grupos autoritários estão se posicionando no mundo”, bem como a proposta da Economia de Francisco e Clara que se apresenta como alternativa à economia que mata. Em sua análise Botelho ainda destaca a carta do Papa Francisco aos bispos americanos. “As propostas de um novo mundo estão muito nas ações e práticas do Papa Francisco, e tem dialogado com uma série de forças no mundo. As resistências estão sendo levantadas”.
A análise de conjuntura também foi perpassada pelo olhar de Rud Rafael, na perspectiva dos reflexos do cenário predatório do capitalismo no ambiente sociotransformador das pastorais sociais e movimentos populares. “Um elemento fundamental diante da conjuntura que vivemos hoje é transformar a análise de conjuntura em análise estratégica, valorizando a perspectiva histórica da atuação da Igreja e dos processos mais amplos da humanidade. Se tem uma coisa que marcou a política nos últimos anos é a capacidade de setores, que em defesa de seus interesses particulares, foram estreitando cada vez mais as possibilidades de transformação da nossa sociedade”.
De acordo com Rud “a tese do fim da história foi consolidada de maneira muito perversa pelo capitalismo de desastre que estamos vivendo, capitalismo que se alimenta da morte, da catástrofe ambiental, da fome das pessoas, da sede insaciável pelo lucro”.

Oportunidade de saídas
Rud Rafael também destaca a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) como espaço para discutir justiça climática no Brasil e no mundo. “O debate ambiental permite aos movimentos sociais recuperar a capacidade de pensar sistemas e lutas por moradia e reforma agrária. Chegou a hora de retomar as utopias e a agenda ambiental nos recolocar nesse debate. Popularizar esse debate é fundamental, por isso estamos investindo na Cúpula dos Povos como propulsora do aprofundamento político sobre alternativas articuladas a partir dos territórios e de uma unidade política que nos permita avançar numa agenda comum, conclui.
Ouça a análise de conjuntura na íntegra AQUI