Ato em defesa dos direitos constitucionais indígenas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Tiago Miotto | Cimi

Em Brasília, indígenas do Maranhão, Rondônia e Bahia cobraram que seus territórios sejam demarcados e protegidos e que Lei 14.701 seja declarada inconstitucional

 

 

Por Comunicação do Cimi

 

Pela segunda semana consecutiva, lideranças indígenas estão em Brasília para cobrar do Supremo Tribunal Federal (STF) e do recém-empossado presidente da Corte, Edson Fachin, a conclusão do julgamento de repercussão geral que trata dos direitos constitucionais indígenas e pedir que a Corte declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, conhecida como “Lei do Marco Temporal”.
Nesta semana, entre os dias 6 a 10 de outubro, participaram de uma mobilização em Brasília cerca de cem indígenas dos povos Apanjêkra Canela, Memõrtumré Canela, Gavião, Tremembé, Akroá-Gamella e Krenjê, do Maranhão; Karipuna, Kujubin, Purubora, Migueleno, Guarasugwe, Cassupa, Mamaindê, Wajuru, Karitiana, Oro Eo, Oro At, Oro Nao, de Rondônia; e Pataxó Hã-hã-hãe, da Bahia. Na semana passada, um grupo de indígenas Xokleng, Kaingang, Guarani e Kaiowá da região sul e do estado de Mato Grosso do Sul também realizou manifestações contra a Lei.

 

“Pela segunda semana consecutiva, lideranças indígenas estão em Brasília para cobrar do STF a conclusão do julgamento sobre o marco temporal”

Ato em defesa dos direitos constitucionais indígenas na Esplanada dos Ministérios. – Foto: Adi Spezia | Cimi

 

Estamos em Brasília para denunciar a situação de extrema insegurança que vivemos enquanto esperamos por décadas a demarcação e proteção dos nossos territórios”, relatam as lideranças em documento entregue à Corte e direcionado a cada um dos ministros.
A carta conjunta também foi entregue nos gabinetes de cada um dos ministros. As lideranças denunciam a morosidade do Estado na demarcação de seus territórios, invasões, desmatamento, queimadas e envenenamento dos rios e do ar. Tal cenário tem gerado um aumento das violações e dos conflitos em seus territórios.

 

“Estamos em Brasília para denunciar a situação de extrema insegurança que vivemos enquanto esperamos por décadas a demarcação dos nossos territórios”

 

Indígenas entregam carta conjunta ao STF e nos gabinetes de cada um dos ministros. Foto: Adi Spezia | Cimi

 

“O fazendeiro está dentro do nosso território. A gente tem que pedir para entrar dentro do próprio território. Nós, donos do território, pedimos para entrar dentro do nosso território”, repete Francimar Kujubin, liderança indígena de Rondônia.
Na carta os indígenas contam estar “cada dia mais encurralados, sufocados e sem espaço para viver”. Quando denunciam ou apelam por segurança, “a polícia, ao invés de nos proteger nos agride, e não fazem distinção se é um ancião, uma criança ou uma mulher. Ao invés de prender a milícia organizada que atira contra nós, a polícia nos prende”, relatam as lideranças.
Por fim, os indígenas relembram aos ministros da Suprema Corte e a toda a sociedade: “nossos direitos não se negociam, devem ser respeitados por todos”.

 

“Nossos direitos não se negociam, devem ser respeitados por todos”

 

Foto: Hellen Loures/Cimi

 

Andanças por Brasília

 

Durante a semana na capital federal, as lideranças dos três estados se reuniram com representantes dos Três Poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo), embaixadas, organizações e entidades de direitos humanos.
Na quinta-feira (9), os indígenas participaram da sessão do plenário da Suprema Corte. Com o gesto, os indígenas demonstram que estão vigilantes e mobilizados em defesa de seus direitos constitucionais.

 

“Ao invés de prender a milícia organizada que atira contra nós, a polícia nos prende”

 

Ato em defesa dos direitos constitucionais indígenas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Tiago Miotto | Cimi
Com cartazes, cantos e palavras de ordem, a delegação realizou um ato em defesa dos direitos constitucionais indígenas, na quarta-feira (8). Da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, em frete o Supremo, os indígenas fizeram suas vozes ecoar.
“A gente não quer esse marco temporal, não é lei para nós. A gente está aqui lutando contra esse marco temporal, que a gente não quer. [Contra] essa lei que está aprovada, que os deputados aprovaram. A gente está aqui lutando, nós queremos a nossa demarcação de nosso território”, destaca Carloman Koganon Canela (MA), durante manifestação.

 

“A gente não quer esse marco temporal, não é lei para nós”

 

A primeira atividade conjunta da delegação foi o 1º Pleno Extraordinário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), na segunda-feira (6). Com a presença de lideranças indígenas, organizações da sociedade civil, representantes do Estado brasileiro e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Conselho debateu sobre as crescentes violações de direitos humanos, originários e constitucionais sofridas pelos povos indígenas no Brasil.
No CNDH, a Comissão Terra e Água é responsável por receber as denúncias de violações contra povos do campo. “Os povos indígenas são responsáveis por mais de 25% de todas as denúncias recebidas pela Comissão Terra e Água, e essa comissão é responsável por mais da metade das denúncias que chegam ao CNDH”, informou a advogada popular e presidente da Comissão Terra e Água do Conselho, Lara Estevão. “Essa violência toda é avassaladora. A gente vê um aumento da violência, um aumento da crueldade, a partir do momento em que também há um aumento da inoperância do poder público, principalmente porque a Lei nº 14.701 ainda não foi declarada inconstitucional”, aponta Lara.

 

“Essa violência toda é avassaladora. A gente vê um aumento da violência, um aumento da crueldade”

1º Pleno Extraordinário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Foto: Adi Spezia | Cimi

 

Ademora do Estado brasileiro em demarcar os territórios indígenas é a principal causa da violência nas terras indígenas, segundo relataram de forma unânime todas as lideranças indígenas que se manifestaram durante o pleno.
“Cadê a demarcação do nosso território? Nós estamos ameaçados de não termos nossa terra demarcada. O tempo está passando e nós temos pressa, porque os nossos direitos estão sendo violados. E a gente se pergunta: por que temos que morrer primeiro?”, questionou Rosa Tremembé, do povo Tremembé da Raposa (MA), dirigindo-se aos presentes.

 

“A gente se pergunta: por que temos que morrer primeiro?”

Os conselheiros aprovaram e o CNDH tornou público dois importantes documentos. O primeiro deles é o “Relatório sobre o cenário de violação de Direitos Humanos contra os povos indígenas e o impacto da Lei 14.701/2023”, que tem por objetivo subsidiar a atuação do Conselho e contribuir com os demais órgãos e autoridades competentes para a tomada de decisões diante do cenário da violação de direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Também foi aprovada a Resolução nº 28, de 6 de outubro de 2025, que dispõe sobre ações do Conselho a serem realizadas, como expedir recomendações e representações a entidades públicas envolvidas com a proteção dos direitos humanos.

 

Confira o documento na íntegra:

 

Excelentíssimos Ministros e Ministra do Supremo Tribunal Federal

Precisamos dos nossos territórios indígenas demarcados e protegidos, como manda a Constituição.

 

Nós, indígenas dos povos Karipuna, Kujubim, Puruborá, Migueleno, Guarasugwe, Cassupa, Wajurú, Kaxarari, Karitiana, Oro Wari, de Rondônia, dos povos Apanjêkra Canela, Memõrtumré Canela, Gavião, Tremembé, Akroá Gamella, Krenjê e Krepym, do Maranhão, e dos povos Pataxó Hã-hã-hãe da Bahia, estamos em Brasília para denunciar a situação de extrema insegurança que vivemos enquanto esperamos por décadas a demarcação e proteção dos nossos territórios.

Há algo em comum entre nós, além de sermos indígenas. Apesar de estarmos em 3 estados diferentes a nossa realidade é muito semelhante. Nossos territórios não estão demarcados e durante essa espera, que parece não ter fim, diariamente nossos territórios são invadidos, desmatados, explorados, queimados, envenenados, entre tantas outras maldades que os não indígenas fazem muito bem, sem nenhum tipo de receio ou responsabilização.

Se não bastasse isso, estamos cada dia mais encurralados, sufocados e sem espaço para viver da forma como bem entendemos. Se não bastasse a contaminação dos nossos rios, que por sua vez envenena nossos alimentos e nossos corpos, agora o veneno tem vindo também pelo ar. Quando ousamos pedir socorro e resistir em nossos territórios a polícia ao invés de nos proteger nos agride e não fazem distinção se é um ancião, uma criança ou uma mulher. Ao invés de prender a milícia organizada que atira contra nós, a polícia nos prende.

Nessas nossas andanças por Brasília, o governo diz que não avança na demarcação e proteção dos nossos territórios porque existe uma lei, a Lei 14.701/2023, que está atrapalhando o trabalho deles. E ficamos sem entender, o porquê?! Se é uma lei que é contra a nossa Constituição Federal e se o Supremo já disse que o marco temporal não existe e que nossos direitos são originários, passados quase 2 anos porque essa Lei ainda existe?

Então, estamos aqui, pra pedir a Vossas Excelências que protejam os nossos direitos, protejam a Constituição Federal e que julguem o que precisa ser julgado, a Lei 14.701/2023 e o RE 1017365, com a máxima urgência. Lembrando que nossos direitos não se negociam, devem ser respeitados por todos.

Brasília, 08 de outubro de 2025.

Povos Indígenas do Maranhão, Rondônia e Bahia