Documento final de seminário nacional critica a ausência do Estado e a aliança entre o capital e o poder público em um cenário de ameaças e assassinatos de defensores da “Casa Comum”
Por Cláudia Pereira | APC
O Seminário Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais Contra a Violência e a Impunidade foi encerrado com a publicação de uma carta-denúncia. O evento, que reuniu representantes de diversas comunidades ameaçadas por conflitos territoriais com o capital e o Estado, teve como objetivo principal expor a crescente violência, a grilagem e o ciclo de impunidade que afetam diretamente os povos do campo, das águas e das florestas.
O último dia do seminário, que refletiu a negligência do Estado sobre a violência contra os povos e a natureza, começou com uma forte mística realizada em forma do Teatro do Oprimido. A encenação retratou a realidade vivida nos territórios, onde uma camponesa, cujo seu contentamento era a terra ancestral para plantar a subsistência, é perseguida e morta pela cobiça de grileiros e fazendeiros.
Após a mística, que ilustrou a luta cotidiana dos povos, o seminário finalizou com trabalhos em grupo e uma reflexão importante sobre a proteção das vidas ameaçadas por defender seus territórios. Entre os pontos debatidos esteve o programa de política de proteção a defensores, alvo de tentativas de derrubada pelo setor do agronegócio no Congresso Nacional.

O grito de alerta dos territórios
A carta final, assinada por povos vindos de todas as regiões do país, será encaminhada a organizações e organismos do Estado. O texto expressa a gravidade da ausência estatal, sobretudo em relação à política de proteção.
O quadro de violência relatado no encontro é extenso e inclui violações de direitos humanos básicos, como assassinatos, ameaças de morte, tentativas de homicídio, invasão de territórios, uso de agrotóxicos como arma química, vigilância armada, aliciamento de lideranças e a privatização de recursos naturais, como o mar e o mangue. Centenas de pessoas vivem sob ameaça de morte e relatam não se sentir seguras, mesmo aquelas incluídas em programas estatais de proteção a defensores de direitos humanos e ambientais.
Diego Correia, um dos participantes da região Norte, ressaltou a importância do seminário para a conscientização e como “espaço de apoio e também oportuno para falar sobre os conflitos”. Ele mencionou que seu território enfrenta diversas dificuldades, como a grilagem e a resistência do poder público, em especial da polícia, e a recente retirada de terras que eram da União.
Ofensiva do capital e aliança com o Estado
O documento alerta para a situação agravante em torno do debate da “economia verde” e da “transição energética”. O documento ressalta que, estes temas têm sido instrumentalizados para viabilizar grandes empreendimentos, encontrando apoio significativo no Congresso Nacional.
A carta denuncia a aliança entre o Capital e o Estado, exemplificada pela tramitação de projetos de lei que favorecem a violência contra as comunidades. São destacados o PL Devastação e o Marco Temporal, entre outros instrumentos legislativos que buscam limitar a demarcação de terras e fragilizar direitos.
Cinco propostas para romper a impunidade
As reflexões do seminário resultaram em cinco tópicos considerados prioritários para o enfrentamento das matrizes da violência e para romper o ciclo de impunidade:
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Reconhecimento Territorial: Efetivação dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais e dos beneficiários da reforma agrária. A erradicação da grilagem de terra pública é apontada como condição indispensável.
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Defesa Ambiental e Agricultura: Vinculação da defesa ambiental às políticas agrícolas, sugerindo um zoneamento ecológico condicionado ao Plano Safra e focado em uma transição de base verdadeiramente ambiental.
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Qualificação da Proteção: Melhoria nos mecanismos de proteção a defensores de direitos humanos e ambientais para garantir, de forma efetiva, a vida e a segurança desses indivíduos e seus familiares.
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Mecanismos de Urgência: Instituição de ritos e mecanismos de urgência para tratar de crimes e ameaças contra populações do campo, das águas e das florestas, visando quebrar o ciclo da impunidade.
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Ações no Judiciário: Utilização mais frequente e incisiva de ações junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e outros organismos colegiados do Poder Judiciário em defesa dos povos tradicionais e da reforma agrária.
Apesar do cenário de violência, as lideranças afirmam manter a “luta e esperança na justiça social e nos direitos”, clamando por ações solidárias e coerentes com a defesa da vida e da “Casa Comum”.
LEIA A CARTA -DENÚNCIA NA ÍNTEGRA
