Encontro virtual reúne multiplicadores de combate ao Tráfico de Pessoas para refletir os desafios e realidade locais
Por Cláudia Pereira| Cepast-CNBB
O tráfico de pessoas é um crime que, apesar de estar presente em nosso cotidiano, muitas vezes passa despercebido. Propor reflexão sobre Tráfico de Pessoas é de fato um desafio, mas não para quem enfrenta essa violência. Para quem está na linha de frente se dispõe a vencer todos os obstáculos em defesa da vida. No dia (22) mais de 30 pessoas estiveram reunidas virtualmente para agregar mais conhecimento sobre o tema do qual o Papa Francisco enfatiza que é uma chaga social.
A Comissão Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEETH-CNBB), proporcionou uma reflexão sobre os desafios atuais tráfico de pessoas. A roda de diálogo debateu em torno dos dados atuais do relatório do governo federal sobre tráfico de pessoas e o IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. “A missão da Igreja tem se aprofundado cada vez mais nesta pauta. Essa temática, que por vezes se torna invisível, ganha ainda mais relevância quando falamos do cuidado da vida, especialmente a vida das mulheres. Portanto estarmos reunidos aqui e neste mês missionário, é uma semente de esperança”, ressaltou dom Adilson Pedro Busin, bispo de Tubarão (SC) e presidente da CEETH.
Iluminados pela oração de Santa Bakhita, patrona das vítimas da violência e todos que a combatem, Francisco Alan, assistente social e integrante da Comissão, iniciou o debate apresentando os dados do relatório. Ele começou partilhando um fato que ele acompanhou no estado do Pará. Trabalhadores vítimas de trabalho escravo haviam sido resgatados naquela semana e estavam voltando para suas casas. Um processo que não é simples. O fato vivenciado por Alan exemplifica as modalidades dos crimes de tráfico de pessoas no Brasil que constam nos dados do relatório. “Esse material nos desafia a refletir sobre o papel do Estado e a buscar novas formas de atuação, tanto da sociedade civil quanto das pastorais da Igreja”, disse Alan.

“Apesar do governo ter elaborado um plano para enfrentar essa violência, a implementação eficaz das políticas ainda enfrenta desafios”
Apresentação dos documentos
Ao apresentar o relatório nacional, Alan destacou elementos importantes como o perfil das vítimas, as diversas finalidades, formas de aliciamento e os desafios da invisibilidade do crime. É importante reforçar que no Brasil, embora vários órgãos realizem sua própria coleta de dados, ainda não possui uma plataforma unificada o que impede uma visão holística deste problema.
“Os dados sobre trabalho escravo no Brasil revelam uma desigualdade de gênero com os homens sendo mais visibilizados nas estatísticas. Há uma invisibilização significativa das mulheres nessa situação O recente resgate de quatro trabalhadores, por exemplo, evidencia a necessidade de ações mais direcionadas para as mulheres”, destacou Alan.
Em seguida, a secretária executiva da CEETH, Alessandra Miranda apresentou os eixos do IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, lançado este ano pelo governo federal. O quarto plano é resultado de um processo colaborativo entre o governo federal e a sociedade civil. O documento foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Publicado no Diário Oficial da União em 31 de julho, o documento permite ampliar a atuação de enfrentamento no país e promover a proteção às vítimas e a punição dos criminosos e tem vigência de cinco anos (2024/2028). O documento, que é estruturado em cinco eixos, propõe fortalecer a Política Pública; coordenação e parcerias; prevenção ao Tráfico de Pessoas; proteção e assistência e repressão para responsabilizar os criminosos.
“O poder público tem um papel muito importante e fundamental com a responsabilidade no enfrentamento do tráfico de pessoas. Especialmente das instituições jurídicas e da Polícia Federal. Apesar do governo ter elaborado um plano para enfrentar essa violência, a implementação eficaz das políticas ainda enfrenta desafios. É preciso pressionar para que essas medidas sejam efetivamente colocadas em prática e cabe a nós quanto sociedade civil fazer as incidências”, ressaltou Alessandra.

“Os dados da Polícia Federal sobre o Piauí revelam um número alarmante de casos envolvendo crianças e mulheres, especialmente vítimas de feminicídio e a exploração sexual nas rodovias”
Partilhas e desafios das realidades
Após as apresentações dos documentos, o diálogo foi aberto para a partilha das manifestações representadas na maioria pela região norte do país. Os relatos foram diversos sobretudo no contexto atual em que os municípios passaram pelo período eleitoral. Entre as partilhas, a Irmã Elizabeth Leite que atua nas pastorais carceraria e do migrante em Fortaleza (CE) falou dos desafios enfrentados frente aos organismos do governo para apoiar as mulheres vítimas do tráfico.
“Em Fortaleza, o tráfico de drogas está ligado ao tráfico de pessoas, em razão do estado que servir como rota. As mulheres são as principais vítimas. Muitas vêm de outros países da América Latina e acabam presas aqui. Ao saírem da prisão, essas mulheres enfrentam grandes dificuldades, pois não têm para onde ir e o governo não oferece o apoio necessário para a ressocialização e os processos para deportar essas mulheres. É uma situação preocupante. Acho que o nosso trabalho é como se fosse uma gota d’água, mas também muito valioso. Temos realizado incidência política para pressionar o governo para esse plano não ficar somente nas gavetas”, partilhou a religiosa.
Outra partilha foi da religiosa Denise Morra do estado do Piauí que pontuou o índice de pessoas desaparecidas no estado que passam de 130 atualmente considerando os dados oficiais, ela também falou sobre o aumento do tráfico de mulheres e crianças para exploração sexual.
“Os dados da Polícia Federal sobre o Piauí revelam um número alarmante de casos envolvendo crianças e mulheres, especialmente vítimas de feminicídio e a exploração sexual nas rodovias. Esse mapeamento anual evidencia a gravidade desta situação aqui no estado”, disse Ir. Denise.
Dom Plínio Dom Plínio José da Silva, bispo de Picos (PI) e membro da Comissão Especial para o Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (CEETH), pontuou o desafio para enfrentar o tráfico de pessoas que às vezes se encontra nas mobilizações e na comunicação. Para ele, apesar de todo esforço que todos os envolvidos no enfrentamento realizam, é necessário sensibilizar a sociedade que atualmente vive uma realidade próxima do egocentrismo.
“A desinformação é uma ferramenta poderosa usada por grupos que buscam controlar as populações mais vulneráveis, especialmente nas regiões mais pobres do país. No Nordeste, essa realidade é evidente. Vivenciei isso de perto durante as eleições municipais, onde comunidades inteiras foram isoladas e manipuladas. A falta de informação e a dependência de auxílios políticos impedem que as pessoas compreendam seus direitos e resistam a essas práticas. Meu trabalho de conscientização sobre o tráfico de pessoas enfrenta desafios, como o desinteresse e a falta de conhecimento da população. É preciso intensificar os esforços para informar e mobilizar as comunidades”, reforçou dom Plínio.
