A partir da condenação histórica da Volkswagen, debate na USP expõe como a exploração de trabalhadores se perpetua em garimpos e frentes de desmatamento na região

 

Por Cepast-CNBB

Com informações de Padre Dário Bossi, Assessor da Comissão Sociotransformadora

 

A recente condenação da Volkswagen por manter trabalhadores em regime de escravidão na Fazenda Rio Cristalino (PA), nas décadas de 1970 e 1980, foi o ponto de partida do encontro “Trabalho escravo na Amazônia: o caso Volks”. O debate, realizado em 30 de outubro no Centro MariAntonia da USP, em São Paulo, reuniu o padre Ricardo Rezende (UFRJ), o procurador do Trabalho Rafael Garcia e o padre Dário Bossi, assessor da Comissão Sociotransformadora da CNBB.
As provas do crime da montadora alemã foram reunidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), na época coordenada por Rezende. A sentença da Vara do Trabalho de Redenção (PA) determina que a Volkswagen indenize as vítimas em R$ 165 milhões, realize um pedido público de perdão e adote políticas de não repetição. A empresa, contudo, recusa-se a cumprir a decisão e anunciou que recorrerá.
Durante sua intervenção, padre Dário Bossi destacou que o trabalho escravo não é uma relíquia do passado, mas uma “realidade dolorosa” e atual na Amazônia. “Nas frentes de grilagem, de desmatamento e de garimpo ilegal, vemos repetirem-se padrões de exploração: trabalhadores abandonados em áreas isoladas, sem contrato, alimentação ou abrigo digno, expostos a doenças e violência”, afirmou.
Ele citou casos recentes, como o da Operação Mineração Obscura, em Maués (AM), que revelou mais de 70 pessoas em condições degradantes em um dos garimpos mais lucrativos da América Latina.

 

“Mais de 80% das vítimas são pessoas negras, e a escravidão moderna perpetua o ciclo de pobreza e exclusão.”

O perfil das vítimas, segundo Bossi, reflete uma “herança colonial ainda presente” na estrutura social brasileira. A exploração atinge migrantes, como venezuelanos e bolivianos, em obras públicas e empreendimentos privados. “Mais de 80% das vítimas são pessoas negras, e a escravidão moderna perpetua o ciclo de pobreza e exclusão”, lembrou o missionário, citando o relatório recente do Relator Especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão.
Refletindo sobre o papel da Igreja, Bossi recordou o testemunho profético de Dom Pedro Casaldáliga, cuja carta pastoral “Feudalismo e escravidão no Norte do Mato Grosso” (1971) já denunciava a violência contra posseiros e peões. “A Igreja passou de uma instituição que legitimava a escravidão colonial para uma das suas principais denunciadoras”, destacou.

“A Amazônia continua sendo tratada como um vazio a ser ocupado e explorado. Mas nós a reconhecemos como território de povos e de esperança.”

Essa trajetória encontra eco na campanha “De olho aberto para não virar escravo”, da CPT, e nas denúncias do Papa Francisco contra a cultura do descarte, onde tanto produtos quanto pessoas são explorados e descartados.
O assessor da Comissão Sociotransformadora da CNBB, sublinhou ainda a importância das denúncias internacionais para a responsabilização de grandes corporações. “Casos como o da Volks, ou o das empresas e certificadora estrangeira envolvidas nos crimes de Mariana e Brumadinho, mostram que a impunidade só é rompida quando as vítimas e seus aliados pressionam globalmente”, afirmou.
“A Amazônia continua sendo tratada como um vazio a ser ocupado e explorado. Mas nós a reconhecemos como território de povos e de esperança, e é nesse espírito que seguiremos denunciando a injustiça e preparando nossa caminhada rumo à COP30, com a convicção de que a escravidão é uma ferida aberta que clama por libertação e reparação.” Participar desses processos é um dever ético e evangélico”, concluiu padre Dário.