Catástrofe em Porto Alegre (RS) - Foto: Francisco Proner
Por Padre Dário Bossi
É muito sofrido abandonar a terra onde a gente viveu, que nos moldou culturalmente e configurou nossa identidade. Ainda mais dolorido se este corte com nossas raízes for forçado, por causas externas, que nos obrigam a fugir.
É isso que acontece a muitas comunidades, enraizadas em seus territórios e arrancadas pela chegada dos grandes projetos de extrativismo predatório: agronegócio, mineração, infraestruturas que precisam de terra e espaço de expansão, em nome do desenvolvimento (de outros).
Há, também, uma expulsão indireta que este modelo de desenvolvimento provoca: aquela causada pelo colapso climático. Crescem, no mundo, os chamados “deslocados ambientais”. Pessoas, famílias, às vezes povos inteiros forçados a abandonar suas terras pelos fenômenos climáticos extremos, por falta de condições de sobrevivência naquelas regiões onde costumavam, até pouco tempo antes, cultivar, caçar, pescar, comerciar e conviver.
Vinte e um milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas terras por causa disso, de 2008 até hoje, informa a ONU. A previsão até 2050, por causa do agravamento da crise ambiental, é bem maior: cinquenta milhões. A maioria dos afetados vive na África subsaariana; outros nas ilhas do Pacífico. Em América Latina, teremos cerca de 7% dos deslocados climáticos mundiais.
Trata-se de uma ameaça cada vez mais frequente também para as migrações internas no Brasil. Pela primeira vez, por exemplo, identificou-se na Bahia um bioma até agora inexistente no Brasil: o bioma árido, deserto avançando no interior do estado. A Amazônia está sofrendo a segunda seca consecutiva, que assorea rios e lagos, impactam a biodiversidade, prejudica a reprodução dos peixes, gera fome e isolamento das comunidades ribeirinhas e indígenas. Em outras partes do país, chuvas, enchentes e desmoronamentos igualmente expulsam famílias, povoados ou bairros de periferia, deixando milhares de pessoas desabrigadas.
A ONU insiste para que estas pessoas, comunidades e povos sejam reconhecidos como “Refugiados Ambientais”. Sabemos que os refugiados são vítimas de gestões políticas violentas e violadoras, que ameaçam a vida e os direitos das pessoas. Reconhecer a identidade de refugiados pelos impactos ambientais é afirmar que a responsabilidade destes fenômenos extremos não é da natureza e da imprevisibilidade de seus ciclos, mas dos governos e do modelo econômico que escolheram. Um modelo que mata, como afirma o Papa Francisco na exortação Evangelii Gaudium (53).
O paradoxo é que, enquanto a ONU exorta para ampliar as categorias de refugiados e reconhecer o direito dos povos a migrar e serem acolhidos, a maior parte dos governos (tanto conservadores como progressistas) delimita cada vez mais os direitos dos migrantes e enfraquece as políticas de acolhida, inclusão e cooperação internacional.
O desafio dos refugiados climáticos será cada vez mais gritante para o Brasil, tanto internamente, como pelo apelo de muitas famílias dos países vizinhos, de nossa Pátria Grande latino-americana.
As pastorais e as comunidades cristãs, assim como o próprio Estado, precisam se organizar para estruturar processos consistentes de acolhida, proteção e inclusão, bem como de prevenção, na luta contra as causas das mudanças climáticas, que ameaçam desequilibrar profundamente nossas sociedades.
Por isso é tão importante a participação ativa, consciente e profética da Igreja rumo à COP30 e a proteção das comunidades que com seus modos de vida e economias locais contribuem para a defesa da biodiversidade e do equilíbrio climático.