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O Tráfico de pessoas é um sistema de coisificação das pessoas, configura uma grave violação de direitos humanos, é um crime, e é um negócio muito rentável.

 

Por Irmã Eurides Alves de Oliveira

 

             Quando falamos em tráfico de pessoas estamos falando de um sistema de exploração, estamos falando da mercantilização da vida, do uso pessoas como mercadoria, da compra e venda dos corpos e da força de trabalhos de mulheres, crianças e adolescentes, jovens, migrantes, trabalhadores/as. De um sistema de escravidão/exploração que tem suas raízes nos diversos processos colonizadores de nossos países. Hoje, neste mundo ‘globocolonizado’ que vivemos, esta prática se manifesta e se define como a escravidão   contemporânea. Um sistema de escravidão moderna, que vitimiza mais 50 milhões de pessoas no planeta nas suas diversas formas de exploração cada vez mais sutis e modernizadas.

          O tráfico de pessoas, conforme a definição do Protocolo de Palerno (2000) é o recrutamento de uma pessoa, a retirada dela em seu habitat por meios ilícitos (engano, rapto, abuso de sua vulnerabilidade…), levando-a para uma outra realidade, seja um outro espaço, outro município, estado país, para fins de exploração.

          O Tráfico de pessoas é um sistema de coisificação das pessoas, configura uma grave violação de direitos humanos, é um crime, e é um negócio muito rentável. Um crime contra a humanidade, um sistema que afeta não só as pessoas individualmente, mas toda a sociedade, como afirma a Papa Francisco (2013): “O tráfico de pessoas é um crime contra a humanidade. Devemos unir as forças para libertar as vítimas e deter este crime, cada vez mais agressivo, que ameaça não só as pessoas individualmente e os valores basilares da sociedade, mas também a segurança e a justiça internacionais e ainda a economia, o tecido familiar e a própria convivência social.”

           O tráfico de pessoas, configura, portanto, um “mercado de gente”. Um crime realizado por uma rede organizada em vista de obter lucros abusivos através da exploração dos corpos e/ou da força de trabalho das pessoas. As maiores vítimas são crianças e adolescentes, mulheres, membros das comunidades LGBTQIA+ e trabalhadores jovens e migrantes, embora todas as pessoas estejam sujeitas a esta pratica ilícita e desumana. Normalmente a faixa etária da grande maioria vai dos 14 aos 30 anos, após essa idade a pessoa que é explorada cotidianamente, acaba não tendo mais força física e nem mental, sendo vista como uma coisa inutilizável, descartável.

           Com um olhar antropológico e teológico, o Papa Francisco, nos ajuda a compreender a causa raiz deste sistema de escravidão: “(…) hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objeto. Quando a iniquidade corrompe o coração do ser humano e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objetos. Com a força, o engano, a coação física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim. (2015)

           Na busca de compreensão das causas geradoras desta prática criminosa para além da índole pessoal corrompida pelo pecado, vale ressaltar que a base causal da prática de mercantilização da vida, na qual se insere o tráfico de pessoas está a estrutura do sistema econômico contemporâneo, o capitalismo neoliberal, cuja a economia não centra na pessoa, mas no lucro, no enriquecimento ilícito a qualquer custo de uma minoria. Um sistema que instrumentaliza tudo e todos em função de uma tríade: Ter, Poder e Prazer para uma elite privilegiada. Nesta lógica, o sistema capitalista neoliberal, é gerador da abissal desigualdade social que vivemos, que vai deixando os seres humanos como presas fáceis no tráfico de pessoas. Portanto a causa social é a vulnerabilidade, a desigualdade social, a pobreza, o desemprego, e a precariedade educacional, fator determinante para que as pessoas se insiram nas redes do tráfico de pessoas como meio de sobrevivência, fator que tem se agravado neste contexto de pós pandemia e crises socioeconômicas e políticas dos últimos anos.

           Acoplado ao sistema econômico e às desigualdades sociais de todas as formas, outro bloco de causas que incidem na prática do tráfico de pessoas são as matrizes culturais dominantes de nossas sociedades ocidentais, como o patriarcalismo, o racismo estrutural, a heteronormatividade sexual e o adultocentrismo. Sistema culturais definem e sustentam as identidades de forma assimétricas, atribuindo valor e força, poder dominação de uns sobre os outros/as, uma cultura de superioridade do homem sobre a mulher, ou do hétero sobre a comunidade LGBTQIA+, dos brancos sobre os negros, dos adultos sobre as crianças.  Enfim, as relações desiguais de gênero, classe, raça e geração estão também no ‘paneiro’ de causas que criam e sustententamm o tráfico de pessoas, normatizando o direito de usar, vender, explorar as pessoas como objetos de consumo.

         Assim, o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para os diversos fins: Exploração sexual, trabalho escravo, servidão doméstica, mendicância, remoção e venda de órgãos, exploração cibernética e demais práticas ilícitas, são resultados destes conjuntos de fatores que nos impelem a um agir coletivo, amplo e permanente com ações e processos articulados de prevenção, assistência às vítimas, incidência política e responsabilização, conforme prescrevem as políticas nacionais de enfrentamento dos mais diversos países e os tratados internacionais .

           O Papa Francisco tem sido incansável é chamar a atenção para vastidão e gravidade do tráfico de pessoas no mundo, lembrando a responsabilidade de todos e todas nesta tarefa de erradicar esta chaga social, que afronta brutal e vergonhosamente a vida e dignidade dos filhos e filhas de Deus. “o tráfico de pessoas, diz Ele: “é um problema mundial que precisa de ser tomado a sério pela humanidade no seu conjunto” e, por isso, “devemos unir forças para libertar as vítimas e deter este crime”, unir forças de autoridades policiais e de organizações sociais e religiosas; é necessário promover um compromisso sinérgico por parte das diversas realidades eclesiais” (2015);

          O Brasil, é um país de origem, trânsito e destino desta iníqua realidade. Embora, com um alto índice de subnoticação dos casos e a ausência de um banco de dados atualizados, temos acompanhado a cada o crescimento dos fluxos e práticas de tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo e de exploração sexual, bem como o aliciamento virtual para serviços laborais e sexuais diversos. Urge, romper com a indiferença e o silencio social que faz novas vítimas. Urge redobrar nossos esforços numa firme e decidida ação pastoral no enfrentamento desta ferida aberta em nosso tecido humano e social. Urge seguir tecendo redes de cuidado, defesa e proteção da vida, num firme compromisso de todos: igrejas, sociedade civil e Estado. Das autoridades competentes, para coibir, punir os que traficam. Do estado e da sociedade no sentido de denunciar, informar, e educar, assistir e proteger as vítimas, e acima de tudo de lutar pela superação das causas geradoras e sustentadoras desta iníqua realidade.

         A erradicação do tráfico de pessoas é sonho e missão de todos e todas nós, que acreditamos na possibilidade de um “outro mundo possível”, em uma sociedade pautada no direito, na justiça social e na superação de toda forma de violência, exclusão e morte. É condição sine qua non para a manifestação do Reino de Deus como um espaço de vida plena para todos/as.

Irmã Eurides Alves de Oliveira é da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, integra a Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB e coordenou em âmbito nacional a rede Um Grito Pela Vida. É também Socióloga e Mestre em Ciências da Religião

 

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