Povos originários e comunidades tradicionais denunciaram as diversas formas de violência que sofrem e demandaram ações concretas do governo federal para assegurar a proteção de seus direitos e a demarcação e garantia de seus territórios
Henrique Cavalheiro | CPP
Osnilda Lima | Cepast-CNBB
Cláudia Pereira | APC
Na tarde de quinta-feira (22), em Brasília, os participantes do seminário Povos e Comunidades Tradicionais dirigiram-se ao Palácio do Planalto para entregar um documento com suas reivindicações ao governo federal. Representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério das Mulheres, Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Secretaria-Geral da Presidência da República, receberam as lideranças, que expuseram as dificuldades e os desafios enfrentados diariamente em seus territórios e cobraram respostas do Poder Executivo Federal.
Entre os dias 20 e 23 de agosto, representações de povos e comunidades tradicionais do Brasil estão reunidos em Brasília para participar de um seminário cujo lema ecoa a essência de suas lutas: “Somos terra, somos água, somos vida!”. O evento, realizado no Centro Cultural de Brasília (CCB), reúne lideranças indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, camponeses, quebradeiras de coco babaçu e outros grupos, todos unidos para debater e denunciar as múltiplas violências que afetam suas comunidades.
“Gente, não tem mediação, não tem conversa. Ou faz reforma agrária nesse país, ou regulariza o território dos povos, ou a gente vai continuar com isso”
Vozes de Luta e Resistência
Raimunda Nonata, da comunidade de Cocalinho (MA), expressou a frustração com a ausência de mais representantes do governo, mas manteve a esperança de que suas demandas sejam ouvidas. “A gente esperava mais pessoas dos ministérios para ouvir a gente, mas a gente sabe que vocês vão passar o recado direitinho para ele [presidente Lula]”, afirmou.
A liderança indígena, Regilanne Pereira Guajajara, do estado do Pará, trouxe à tona a realidade dos povos indígenas, que enfrentam violações contínuas de seus direitos e ameaças constantes em seus territórios. “Quando um parente é atacado, todos nós sofremos juntos. […] Hoje nós estamos aqui lutando por justiça”, disse Regilanne, ao destacar a dor compartilhada entre os indígenas de diferentes etnias.
Por sua vez, Rosa Costa, quebradeira de coco babaçu do Maranhão, ressaltou a desproporcionalidade no tratamento dispensado às mulheres das comunidades tradicionais. “Nós passamos a ser ameaçadas de morte mesmo quando começamos a procurar nosso lugar, nosso espaço do bem viver”, denunciou Rosa, reforçando a urgência de uma resposta efetiva do governo para garantir a segurança e os direitos dessas mulheres. Rosa também reforçou que a luta e os direitos dos povos da terra, da água e da floresta, só serão respondidos de forma eficaz quando for feita a devida reforma agrária no Brasil. “Gente, não tem mediação, não tem conversa. Ou faz reforma agrária nesse país, ou regulariza o território dos povos, ou a gente vai continuar com isso”, declarou.
Já Maria José, quilombola de Mocajuba, Pará, expressou profunda preocupação durante o evento sobre os impactos ambientais e sociais de grandes empreendimentos no Brasil. Em sua fala, Maria José afirmou: “Eu gostaria aqui de recitar algumas mazelas que para o governo é um grande empreendimento. Barragem Hidrovias. Nem só no Bairro São Francisco, mas no Brasil todo”, disse. Ela destacou que projetos como a construção de barragens têm resultado em mortes e doenças. Ela também criticou o desmatamento intenso desde 2020, que tem prejudicado a alimentação e a sobrevivência das comunidades tradicionais: “Foi o maior desmatamento de todos os anos. Foi agora há pouco, de 2020 para cá. Porque tem que plantar grão para colocar nas barcaças.” Além disso, Maria José denunciou a falta de políticas públicas eficazes e a diferença entre audiência pública e consulta pública, dizendo: “Audiência pública não é consulta pública.” Ela concluiu sua intervenção com um apelo emocionado, recitando uma canção que reflete a luta e a esperança das comunidades afetadas: “Não deixe meu rio secar, agonizar e morrer. O que será desse mundo se a mata desaparecer? Não, eu não vou desistir. Meu filho precisa crescer. A vida depende da vida para sobreviver.”
“As comunidades pesqueiras sempre estiveram na linha de frente das lutas pela defesa dos seus territórios”.
O Clamor por Justiça
As falas dos participantes deixaram claro que as comunidades tradicionais não querem apenas ser ouvidas, mas também atendidas em suas reivindicações. Dona Maria Celeste, pescadora artesanal, destacou a importância da mobilização popular do campo e das águas, afirmando que “as comunidades pesqueiras sempre estiveram na linha de frente das lutas pela defesa dos seus territórios”. Ela enfatizou a necessidade de barrar a PEC 03/2020 e a importância da aprovação do PL 131/2020 para garantir a proteção dos direitos das comunidades tradicionais pesqueiras. Para Dona Celeste, a resistência e a união são fundamentais na luta contra as ameaças que essas comunidades enfrentam. “Se não lutarmos juntos, nossos direitos serão atropelados”, concluiu.
O indígena Ataíde, da nação Guarani do oeste do Paraná, expressou sua preocupação com a situação atual dos povos tradicionais e os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas e quilombolas. Ele destacou a importância da solidariedade entre diferentes povos e criticou a ineficácia de programas de proteção. “Quando acontece um massacre com nossos companheiros quilombolas, simplesmente a gente não fala, não é problema meu, é problema de todos, é problema de todo mundo, é meu problema também, eu preciso me preocupar,” afirmou Ataíde. Ele também relatou ameaças que sofreu em Eldorado e questionou a eficácia do novo Ministério dos Povos Indígenas. “Quando foi criado o Ministério dos Povos Indígenas, nós falávamos, agora, sim, agora vai sair, mas parece que as coisas se criam mais para dificultar as coisas do que para ajudar,” criticou.
Manoel Valdemir, assentado pela Reforma Agrária e agente da Pastoral da Terra em Goiás, compartilhou sua experiência com as dificuldades enfrentadas pelas comunidades assentadas e acampadas. Ele expressou a dor e o sofrimento vividos por essas comunidades, destacando que “o veneno mata. O veneno contamina a terra. O veneno contamina o ar. O veneno contamina a nossa vida”. Valdemir enfatizou que, embora as pessoas acampadas sejam frequentemente rotuladas como invasoras, elas estão apenas buscando o direito à terra, garantido pela Constituição e pela ONU. Ele relatou ainda um caso recente de violência governamental, onde “o governo do estado combinou com o prefeito daquela região e passou a máquina em cima de barracos de 110 famílias”, deixando-as desabrigadas e sob constante ameaça.